terça-feira, 29 de junho de 2010

DISSOLUÇÃO DOGMÁTICA DO PROTESTANTISMO - IRC/LCP II-III-3

DISSOLUÇÃO DOGMÁTICA DO PROTESTANTISMO - Pg. 249




Livro II - São Pedro, Papa Imortal


CAPÍTULO III - CONSEQUÊNCIAS DO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO PROTESTANTISMO

§ 3. - Dissolução dogmática do protestantismo.

SUMÁRIO -
Destruindo dogmas. - Cristianismo adogmático. - Rumo do niilismo religioso.









Analisando no parágrafo anterior a desagregação sectária da pseudo-reforma, mais de uma vez se nos ofereceu a oportunidade de frisar as profundas divergências doutrinais que separa as várias denominações evangélicas. No estudo presente queremos mais










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de sobremão demorar-nos no exame da crescente dissolução dogmática que vai minando a existência religiosa do protestantismo. Será outra verificação da "harmonia fundamental" alardeada pelo gramático brasileiro.


À p. 71 escreve ele: "Todas [as denominações protestantes] aceitam as Escrituras inspiradas, como regra suprema de fé e prática, a salvação pela graça e podemos dizê-lo, todos os artigos do credo dos apóstolos". Quero crer na sinceridade do autor. Mas para conciliá-la com a afirmação acima será mister admitir nosso teólogo uma pasmosa inconsciência do estado presente do protestantismo. Qualquer leitor medianamente instruído em crítica religiosa, ao ver aquela asserção tão despejada, tão segura de si, tão sem reservas, não deixará de sorrir compassivamente à vista de tamanha ingenuidade. A realidade é muito mais pavorosa do que julga inocentemente C. PEREIRA. Não há um só dogma, um só, por mais importante e fundamental, que não tenha caído desfeito em pó sob a clava infatigavelmente demolidora do livre exame.

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Afirmamo-lo. Mão às provas.


Neste ponto, como nos demais, os primeiros reformadores, com o seu exemplo, abriram a porta aos mais atrevidos excessos. LUTERO, rejeitando a transubstanciação, admite contudo a presença real de Cristo na Eucaristia, ao menos durante a missa; ZWINGLIO nega-a como blasfêmia e idolatria contrária às Escrituras. CALVINO propõe sobre a graça e a predestinação uma doutrina pessoal; luteranos e zwinglianos impugam-na com belicoso ardor. JORGE MAIOR ensina em Wittenberg que "as boas obras são necessárias à salvação"; AMSDORF opõe-lhe a antítese: "As boas obras são prejudiciais e nocivas à salvação". FLÁVIO ILÍRICO afirma que, sendo o pecado original a substância da alma, esta é incapaz de cooperar em qualquer ação boa; VITORINO STEIGEL levanta-se em Iena como paladino da possibilidade da cooperação. É famosa a controvérsia sinergística. Sobre a justificação, OSSIANDER sustenta em Koenigsberg lutas memoráveis contra os luteranos. As desavenças doutrinais sobre a ceia entre FILIPE MILACHTHON e LUTERO dão origem à controvérsia cripto-calvinista, tirando as últimas conclusões do livre exame, recusam admitir a Trindade de Deus e a divindade de Cristo.


Destarte, em pouco tempo os dogmas capitais do cristianismo haviam sido abalados pela dúvida ou destruídos pela negação. E era ainda a primeira fase na derrocada geral.



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Com razão disse SABATIER, professor da faculdade teológica protestante de Paris, que a revisão da teologia e do dogma entre os seus correligionários está sempre na ordem do dia. É a essência mesma do protestantismo. Nisto está a sua razão de ser. No dia em que cessasse de reformar e protestar, no dia em que reconhecesse uma autoridade exterior, como regra e norma de fé, nesse dia deixaria de ser protestantismo, nesse momento se suicidaria. E por isso já se diz hoje nos círculos adiantados da seita que os protestantes que ainda estão com LUTERO não o compreenderam. LUTERO conquistou-lhes o direito de protestar. Seus verdadeiros discípulos, os herdeiros genuínos do espírito de tão grande pai, serão os que usarem de igual direito para protestar contra ele, como ele protestou contra Roma.

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Os que vieram depois reivindicarão com igual energia a prerrogativa de protestar contra a geração presente. É assim e só assim que se pode conservar o protestantismo: protestando e protestando sempre.22 Desse direito visceralmente encarnado no princípio constitucional da Reforma usaram e abusaram os modernos descendentes dos seus primeiros heróis. Não percorreremos aqui, um por um os diversos dogmas do cristianismo abatidos pela crítica impiedosa do livre exame. Citaremos apenas as verdades que, no dizer de quase todos os antigos reformadores, constituem os pontos fundamentais, imutáveis, insubstituíveis da religião cristã.

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22. Já o observara DE MAISTRE: "Si le protestantisme porte toujours le même [nom]quoique sa foi ait immensément varié c'erst que son nome étant purement négatif et ne signifiant qu'une renonciation au catholicisme, moins il croira et plus il protestera plus il sera lui même!. Du Pape, 1. 4, c. 5, Paris, 1819, p. 588. BALMES insiste de preferência na elasticidade acomodatícia do termo: "No espaço indefinito indicado por este nome, todas as seitas se ajuntam todas as aberrações encontram lugar. Negai com os luteranos o livre arbítrio, renovai com os arminianos os erros de Pelágio, admiti a presença real com uns, rejeitai-a com os zwinglianos e calvinistas, negai, se quiserdes com os socinianos, a divindade de Cristo, combatei ao lado dos episcopalianos ou dos puritanos, atirai-vos. se vos apraz, às extravagâncias dos quakers; não importa, não deixais por isso de ser protestante, contanto que protesteis sempre contra a autoridade de Roma. O termo é tão desmesuradamente vasto que dificilmente podereis sair dele por maiores que sejam as vossas aberrações; esta é a planície imensa que se distende aos olhos dos que saem das portas das cidadde santa".El protestanismo comparado, etc., c. 1. Os próprios reformadores não definem melhor o nome. Para WEBSTER, o protestante é "a christian who protest against the doctrine and practices of the roman catholic Church".Querendo definir uma religião, o grande dicionarista não encontrou um conteúdo doutrinal positivo; caracterizou-se por uma aversão comum. O protestante essencialmente é "o espírito que nega". Nem foi mais feliz o bispo Sait-David quando definiu a sua religião: "a abjuração do papismo". Para HEGEL, os seus correligionários "são unidos na nulidade". Os descendentes de Lutero não são irmãos, são conjurados. A sua unidade é o avesso da unidade católica, é a unidade católica hostilizada. O catolicismo une na afirmação, o protestantismo encontrou o seu vínculo de união na hostilidade e no ódio - Triste união!



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O mistério da Santíssima Trindade é a base do cristianismo. Deus Padre, Criador; Deus Filho, Redentor; Deus Espírito Santo, Santificador: seis a fórmula sintética em que se consubstancia todo o dogma... Ouvi o moderno protestantismo.

A Trindade não se encontra na Escritura: "não é cientificamente possível fundar na Bíblia a doutrina da Trindade eclesiástica... com isto, porém, nada perde o cristianismo, porque esta doutrina é como uma pedra de escândalo para milhares de homens seriamente religiosos (!) e moralmente cônscios que não podem absolutamente concordar com ela".23 Antes, bem lançadas as contas, houve vantagem, porque não é esta uma verdade cristã, salutar, mas ou aberração politeística24 ou extensão filosófico-pagã do monoteísmo.25 Levada por estas poderosíssimas razões, a igreja unida do Palatinado houve por bem suprimir, no seu último catecismo, o primeiro dos nossos dogmas.26 



A existência do pecado é outra verdade inseparável do religião cristã. Onde não há pecado não há culpa moral, onde não há culpa moral não há necessidade de redenção; onde não há redenção não há Cristo Redentor, não há Cristianismo.

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Sabeis o que é o pecado na moderna dogmática protestante? Simples atavismo, sobrevivência de primitivos instintos animais, volta aos costumes das primeiras fases evolutivas do homem. O homicídio é uma reincidência nos impulsos da besta feroz; a transgressão do sexto mandamento, simples retorno aos hábitos dos animais, nossos primeiros ascendentes.27 Convirá o Sr. C. PEREIRA que o ilustre autor alemão não lê "a bíblia e só a bíblia e nada mais que a bíblia".


Com o pecado rui o dogma da Redenção. A Escritura, diz o protestante moderno, não conhece um resgate, um sofrimento, uma ideia jurídica de satisfação.28 Não podemos entender como o sangue

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23. SCHENKEL, Bibellexikon, Leipzig, 1869, t. II, p. 25.

24. TRÜMPELMANN, Diemoderne Weltanschoung lund das apotolische Glaubenskenntniss, Berlin, 1901, p. 220.

25. F. LOOFS, Leitfadan zum Studium der Domgmeneschichte, Halle, 1893, p. 83.

26. O Pároco TRAUBE no seu escrito Staatschristentum oder Volkskirche, ein protestantisches Bekenntnis, declarou que nunca batizara em nome da SS. Trindade. Mauritz, pároco em Bremen, confessou publicamente que desde 1900 empregava uma fórmula batismal de própria lavra. O escândalo foi grande. O senado julgou dever intervir. Por decreto dos venerandos padres conscritos foram rebatizadas 600 crianças lavadas pelo atrevido pároco. Cfr. H. TOST, Die Kulturkraft des Katholizismus (2), Paderborn, 1919, p. 286.

27. TRÜMPELMANN, Op. cit. p. 351, 334.

28. PR. NITSZCH, Lehrbuch der evangelischen Dogmatik, Fredburg i. B., 1892. p. 504 sgs.






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de Cristo seja mais apto para a purificação das nossas consciências que o sangue das antigas vítimas do sacrifício.29 


Mas S. Paulo inculca em mil lugares a eficácia do sangue de Cristo. Que importa? Não nos devemos deixar influenciar pelas suas afirmações. As idéias de Paulo são filhas de seu passado de fariseu, nasceram da antiga dogmática farisaica.30 "Pode, portanto, afirmar-se que a idéia de se ser Cristo nosso representante é hoje entre protestantes concordemente rejeitada".31



Quem escreve estas linhas não pode admitir a divindade do Salvador.. E, de fato, a divindade de Cristo, dogma central de toda a nossa religião, é hoje repelida pela maior parte dos teólogos da outra margem. A dificuldade da prova está só na colheita das citações na seara imensa da literatura teológica de modernos luteranos e reformados. "É fórmula já desacreditada pelo seu cunho teológico,32 introduzida no cristianismo parte pelo pensamento judaico,33 parte, talvez, pela especulação filosófica do tempo.34 WENDT, professor em Iena: quando Cristo afirmou ser Filho de Deus, quis significar, única e simplesmente, que era, com o mesmo título que os apóstolos, objeto do amor e da solicitude divina, que, em retorno, ele, como os discípulos, lhe havia consagrado um amor filial.35 Para WEIZSÄCKER, "Filho de Deus" significa legado, enviado de Deus e nada mais.36 Para A. HARNACK, professor em Berlim "Cristo é simplesmente um homem eleito por Deus e cheio de seu espírito".37 PFLEIDERER e KAFTAN, professores em Berlim, BEYSCHLAC em Halle, não conhecem outra linguagem. Em Zürich, A. MEYER, professor de teologia bíblica, doutrina desassombradamente: "Hoje baseados em provas convincentes (?) tiradas da verdade e da religião, renunciamos conscientemente ao dogma da divindade de Jesus".38  Em Paris, na Faculdade teológica protestante, ensina SABATIER: "Jesus foi simples homem...
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29. Wernle, Die Anfaenge unscrer Religion (2), Tübingen, 1904, p. 502.
30. J. KAFTAN, DOGMATIK, fREIBURG I. b. 1897, p.459.
31. No Christliche Weit, 1902. p. 641.
32. Paulo Iaeger, no Christliche Welt, 1902, p. 643.
33. Fr.Nutzsh, Lehrtuch der evang. Dogmatik, p. 507 sgs.
34. Loofs, Leifaden, etc., p. 53.
35. H.H. Wendt, Die Lehre Jesu (2), Göttingen, 1901, p. 445. sgs.
36.Weizsaekrer, Das Apostolische Zeitalter der Chistlichen Kierche (2), Freieburg i. B., 1890, p. 123,
37. A. Harnack, Lehrbuch der Dogmengesschichte (3) Frieburg i. B., 1894, t. I, p. 182 sgs.
38. Arnoldo Meyer, Was uns heute Jesus ist, Tübingen, 1907, pp. 17, 29.




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Por maior que seja a auréola com que a superstição popular ou a especulação dogmática lhe tenham cingido a fronte, a ciência não pode renunciar à explicação de seu aparecimento em conformidade com as leis gerais que regem a humanidade".39 "Para nós, escreve um historiador das idéias teológicas do protestantismo moderno, os títulos "Messias", "Filho do Homem", "Filho de Deus", têm apenas o valor de parábolas históricas. Não conhecemos nenhum nome que nos revele a essência de Jesus. Jesus é para nós um desconhecido que nos chega sem nome".40 Eis o último resultado da teologia protestante: Jesus é um grande Desconhecido! 


É doutrina corrente nos grandes centros de cultura teológica. Em toda a Alemanha, só há duas faculdades protestantes que ensinam a divindade de Cristo: Erlangen e Rostock. E WEISS referindo-se à sua pátria, não hesita em afirmar que "fora difícil encontrar hoje dez teólogos acatólicos de certo valor que não despojem abertamente a Cristo da divindade".41 


Das universidades alastrou-se bem depressa a negação pelo mundo evangélico dos pastores e dos leigos que estudam. A grande heresia ariana que abalou toda a sociedade cristã do século IV, não faz mossa nas consciências cauterizadas dos filhos de LUTERO.

STRAUSS relega a vida de Cristo entre as lendas mitológicas e continua a usufruir pacificamente um benefício eclesiástico como ministro protestante. GORHAM prega publicamente contra a divindade de Cristo e nem por isso deixa de ser membro da igreja anglicana.

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Como revelação do estado psicológico das comunidades protestantes, estes fatos são sintomáticos.  Mas temos mais ainda; temos a adesão corporativa dos pastores evangélicos à tese essencialmente detruidora do cristianismo. Já vimos uma das assembléias da "Aliança evangélica"

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39. A. SABATIER, na Encycloédie des sciences religieuses, de Lichtenberger, Paris, 1800, VII, p. 342.

40. A. SCHWEITZER, Geschichte der Leben Jesus-Forschung, Tübingen, 1913, p. É a 2a. edição da obra que saiu em Tübingen, 1906 com o título Von Reimarua zu Wrede; nesta edição o texto citado se acha à p. 401. - Em sentido análogo aos autores citados falam na Alemanha: J. RICHL, O. HOLTZMENN, I. WEIDEL, F. SCHMIDT, F. NIBERGAIL; na França: E. STAPFER, A. REVILLE, H. MONNIER; na Inglaterra: E. ROBINSON, J. E. CARPENTIER, CHEYNE, etc., etc. Cfr. FILLION, Les étapes du rationalisme (2), Paris, 1811, pp. 181-272. E todos estes são nomes de pastores evangélicos ou de professores de teologia nas universidades onde se formam os futuros ministros. Por aí se poderá avaliar o que se ensina e se prega hoje ao povo protestante.

41. A. M. WEISS, Die religiöse Gefahr (3), Freiburg i. B., 1904; na trad. ital. de Tamburini, Firenze, 1905, p. 48.


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riscá-la em 1866 da fórmula dos dogmas cristãos. LANGIN, pastor em Carlruche, antigo membro do sínodo geral de Bade, em novembro de 1893, negou sem ambages que Cristo era Deus. Os teólogos badenses aprovaram-lhe publicamente a negação. Quando RENAN publicou o seu romance sobre "a vida de Jesus" (alguns míopes chamaram-no história crítica), viu-se o escândalo da adesão pública de 1500 pastores dos 1800 que então contava a Holanda. Poderá chamar-se cristã a religião destes ministros que já não sabem curvar o joelho e dizer: "meu Senhor e meu Deus"?


Razão de sobra, pois, assistia ao ministro evangélico STEEC quando em 1867, num relatório oficial, dizia: "O nome de protestante comum a tão grande multidão de homens cobre imensas variedades... Elas subsistem no mesmo país, na mesma cidade, na mesma rua. Nem se cuide que sejam de pequena importância. Não; são por vezes muito profundas. Que distância separa a Igreja anglicana, que professa o símbolo de Atanásio das igrejas unitárias que consideram a Trindade como uma blasfêmia? Para o luterano, os sacramentos são veículos da graça divina. O calvinista não vê neles mais que sinais comemorativos. Que profissão de fé, que catecismo poderia reunir o consentimento dos batistas, dos metodistas, dos milenários, das seitas fundadas por Penn, Zinzendorf, Isving, Darbu Rapp, Miguel Hahn, etc., sem falar das grandes igrejas oficiais? Se das igrejas passarmos aos infivíduos que as compõem, mais consideráveis são ainda as diferenças. Pode afirmar, alto e bom som, que não há um só ponto de doutrina admitido por uns que não seja por outros rejeitado ou submetido a interpretações opostas. E não me refiro somente aos pontos secundários mas nos dogmas que se dizem fundamentais, aos que definem a pessoa de Jesus Cristo, a natureza do pecado, a autoridade da Bíblia".42 E contra esta relação oficial, lida em Paris diante de 80 ministros, não se levantou um voz de protesto.

Com esta fé arruinada pela base, fácil é de prever qual será a pregação dos ministros evangélicos. Que poderão dizer estes pastores às suas ovelhas? A incredulidade, que lhes devasta a alma, devera naturalmente impor-lhes a mudez das consciências sem convicções.
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42. O relatório de STEEG pode le5r-se por inteiro no jornal protestante Le disciple du Christ, 15 mai 1867. Mesma confiss~]ao em KROGH-TONNING: " Où trouver dès à présent unecommunauté protestante qui soit d'accord sur un corps de doctrines bien determiné? Partout, une confisison sans borns, même dans le matières les plus essenmtielles". Le Protest. contemp. Ruine constitutionelle, p. 43. Como se vê, só à hiper-estesia música do gramático brasileiro é sensível à "harmonia fundamental" destas desafinadas doutrinas.





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Por outro lado, porém, os mandamentos dos consistórios, as injunções do poder civil, as rendas pingues dos benefícios eclesiásticos aconselharam-lhes a não deixar os púlpitos. Nesta alternativa, os honestos e sinceros pastores resignam-se ao aviltante mister de comediantes religiosos. Já ROUSSEAU, nas suas Cartas da montanha, nos faz a confidência de que "les ministres ne savent plus ce qu'ils croient, ni ce qu'ils veulent, ni ce qu'ils disent... on leur demande si Jésus Christ est Dieu, ils n'osent répondre... on leur demande qu'ils mystères ils admettent, ils n'osent répondre ou ne sait pas même ce qu'ils font semblant de croire et que l'intérêt décide seul de leur foi".43 Eles mesmos preconizam esta indigna hipocrisia, ensinando "que o eclesiástico protestante não é obrigado a subscrever uma profissão de fé senão para a paz e tranquilidade pública, sem outro fim que o de conservar entre os membros de uma mesma comunidade a união exterior".44 Isto escrevia-se há século e meio. Em nossos dias, acentuando-se a babilônia dogmática, PAULSEN pretende ainda demonstrar como um pastor, que na universidade é discípulo de STRAUSS, possa "por considerações pedagócias" calar as suas opiniões num aldeia e falar ao povo simples dos campos a linguagem tradicional da Bíblia.45 Que degradante situação a dum ministro evangélico! Se prega o dogma, mente; se o cala, desprezam-no. Imaginai agora qual será a sua autoridade no púlpito ao comentar a Bíblia. O povo ingênuo crê ouvir uma exposição das verdades cristãs e assiste à representação de uma farsa. Os "cultos" iniciados nos segredos dos bastidores escutam-no com um sorriso cético e dizem lá com os seus botões aquilo de Dante: creio que ele crê que eu creio.46 Mas voltemos a nós e prossigamos no estudo das fases descendentes da decomposição doutrinal do protestantismo.

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Destruídos os muros e antemurais do cristianismo, derrocada a cidadela central da divindade de Cristo, os teólogos evangélicos não levantaram mão da faina demolidora. Restavam ainda os alicerces; cumpria revolvê-los e não deixar pedra sobre pedra.
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43. J. J. ROUSSEAU, Lettres écrits de la montagne, Amsterdan, 1764, Seconde lettre, dt. I, pp. 78, 80, 82.

44. Ct. CES CHAVEAUX, Considérations sur les études necessaires à ceus qui aspirent au saint minstère, Yverden, 1771, pp. 105-06. O autor era minsitro protestante e professor de teologia na Academia de Lausana. Cit. por DE MAISTRE, Du Pape, Paris, 1819, p. 486.
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45. PAULSEN System der Ethik (8), Stuttgart n. Berlin, 1906, t.II, pp. 242-43.

46. I'credo ch'ei credetti ch'io credessi. Inf. XII. 9.




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Por que razão na ruína universal da fé havia de ficar de pé a Bíblia como livro inspirado, como fonte exclusiva da revelação? Abaixo a Bíblia! A pretensão dos católicos, diz HERMANN, de que devo considerar como verdade tudo o que se acha na Escritura, é contrária à consciência dos protestantes. "Parece-nos que cometeríamos um pecado se considerássemos como verdadeira uma proposição cujo pensamento não é o nosso. E se a encontramos na Bíblia, podemos decidir-nos a esperar que sua verdade se nos revele quando nos tornarmos mais clarividentes e mais fortes. O propósito de a considerar sem mais como verdadeira nenhuma vantagem nos pode trazer".47 Os princípios da Escritura, em si e por si só, não são obrigatórios nem cientificamente seguros.48 A Bíblia não é um livro de normas de fé;49 sua leitura não passa de um "estímulo à energia do pensamento e à autonomia da vida interior".50 Que significam em outros termos todas estas frases senão que a Bíblia é um livro humano, sem nenhum caráter sobrenatural? Não faltam, aliás, declarações mais explícitas neste sentido. A velha doutrina da inspiração, diz SULZE, está hoje definitivamente abatida por todos os teólogos científicos.51


As Escrituras são trabalhos literários como quaisquer outros; antes, muitas obras clássicas, que se desprezam como humanas, estão acima do Antigo Testamento, muito menos digno da humanidade.52 Os livros sagrados são produtos de arte elaborados no gabinete de estudo, cheios "de finezas de teologia artística" e de "sutilezas alexandrinas".53

Estabelecidas estas normas preliminares, atiraram-se os exegetas protestantes à sua "científica" tarefa e dos livros sagrados fizeram a mais horrível e sacrílega chacina. Os modernos professores "ocumpam-se açodadamente em dilacerar as páginas inspiradas dos livros divinos... Quem mais, quem menos, quase todos os lentes de universidade
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47. W. HERMANN, Roemische und evangelische Sittlichkeit (3) Marburg, p. 5.


48. W. BEYSCHLAG, Das Leben Jesus (4) Hale, 1902, 6t. I, p. 18.


49. HEIDRICH, Handbuch für den Religionsunterrcht, III (2), 233.


50. A. SABATIER, Esquisse d'une philosophie de la Religion (8), Paris, (sem data), p. 249.


51. SULZE, no Christliche Welt, 1900, p. 414. Na mesma revista, destinada às altas rodas intelectuais do protestanismo, outro escritor: "A autoridade da Sagrada Escritura que outrosa sem dificuldade era tida como fundamento da fé sustentada, já não pode ser considerada como princípio do cristianismo, fixo e admitido por todos". G. VON ROHDEN, no Christliche Welt, 1895, p. 75.


52. TRÜMPELMANN, Die moderne Weltanschaung, etc., pp. 301, 312.


53. A. JÜLICHER, Einleitung en das Neue Testament (3), Tübingen, 1901, pp. 209, 135, 136.





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(em nota excetua um só) concordam em afirmar que a Escritura é falível, inquinada de defeitos, erros e contradições... Daí as desavenças, as discussões eternas entre os professores de teologia, dos quais um destrói o que outro assevera como certo5foram assim rasgadas todas as páginas dos livros divinos e atiradas ao vento. "A teologia histórica moderna, três quartos céptica, conserva apenas nas mãos o evangelho de Marcos, dilacerado e em farrapos".55


Eis o paradeiro final do famoso "a Bíblia e só a Bíblia"! Aliás, como já observamos, a exaltação da Escritura foi para LUTERO um simples pretexto, um rótulo religioso para cobrir a sua revolta contra a Igreja. Quando disputava com os católicos, guindava a Escritura ao sétimo céu.56 Se, porém, lha opunham às inovações temerárias, desembaraçava-se dela como de uma "escrava. que se devia deixar para ater-se a Cristo, rei e senhor da Escritura".57 Às vezes descomedia-se ao extremo de chamar a Moisés "herege excomungado, precito, pior que o papa e o diabo".58 Por esta amostra se vê que, no desprezo dos livros santos, os modernos discípulos não se mostraram indignos de tão grande mestre.


Pulverizados todos os dogmas, só restava erigir o adogmatismo em princípio. Os protestantes não recuaram ante este extremo desesperador.


SEMLER (1725-1791) foi o primeiro a distituir o dogma da religião. LESSING (1729-1791), por isso saudado como "pai do protestantismo liberal", separou-se nitidamente. KANT, SCHLEIERMACHER e HEGEL, em lugar do dogma, substituiram, como árbitro supremo das convicções religiosas, a razão (Vernunft, de Kant), o sentimento (Gefühl, de Scheiermacher) e a idéia (begriff, de Hegel). Na alheta de tão abalizados guias enveredou todo o protestantismo progressista.
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54. rohnert, Was lehren die derzeitigen deutschen Professoren der evang. }Theologia über die h. Schrift und deren Inspiration, Leipzig, 1892, pp. 2-3.


55. A SCHWEITIZER, Geschichte der Leben-Jesu-Forschung, Tübingen, 1913, p. 339. Na 1.ª edição, p. 305.


56. "Ego vero adversus dicta Patrum, hominum, daemonum pono non anticum unum, non multitudinem hominum sed unius maiestatis aeternae verbum evangelicum... Hic sto, hic sedeo, hic maneo, hic glorior, hic triunpho, hic insulto papistis, tomnistis, henricistis"... Contra Henricum regem Anglie, Weimar, X, 2 Abt., pp. 215-16.


57. "Tu urges servum, hoc est Scripturam... hun servum relinquo tibi, ego urgeo Dominum qui rex est Scripturae... Hanc solutionem neque diabolus neque ullus iustitiarius tib eripere aut evertgere potest". Weimar, XL, I Abt., p. 420.


58. "Si prudens es longissime ableges moysen balbum est blaesum cum sua lege... His simpliciter sit tibi suspectus ut haeretcus excommunicatus, damnatura, deterior papa et diabolo, ideo pronus non audiendus". Weimar, XL, I Abt., p. 558.





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"Os trabalhos dos melhores e mais clarividentes teólogos do nosso século tendem ao mesmo alvo: desembaraçar o cristianismo dos véus e peias dogmáticas".59 HARNACK, colega de PFLEIDERER, preconiza o estudo da história dos dogmas como um dos meios eficazes para libertar-nos do cristianismo dogmático e acelerar o contínuo processo de emancipação.60 JEANMAIRE confessa a peito aberto: "Les libéraux dissaient autrefois: nous ne voulons pas de religion étable sur Jésus, nous voulons suivre la religion de Jésus. Eh bien! Il faut, je crois, faire un pas de plus dans la sincereité et avouer même conception métaphysique que Jésus de Nazareth. Mais nous pouvons, nous devons avoir la mêsme piété intéreure et cela nous suffit pour nous sentir membres de son corps que est l'église chétienne universelle".61


Auguste Sabatier 1897.jpg
Retrato de 1897 de Louis-Auguste
Sabatier por Tor Andræ.
E que significa um cristianismo adogmático? Significa uma religião sem conteúdo doutrinal, sem dogmas, sem culto, sem ritos, sem fé, sem moral. Nosso caminho para Deus é o "espírito livre", a "fé livre", a "graça livre". "O cristianismo, diz SABATIER, é apenas um estímulo moral, uma consolação que se nos propõe, não uma doutrina".62

"Não podemos, diz um professor de teologia de Heidelberg, nem devemos considerar o cristianismo como verdade absoluta, imutável, completa".63 As exigências de nossa consciência religiosa impõe-nos a fé num Infinito imperscrutável. O cristianismo oferece-nos símbolos excelentes para representarmos com a imaginação este grande desconhecido: eis todo o seu significado, todo o seu valor. Na história da evolução humana é uma das muitas formas por que se manifesta e corporiza o instinto religioso.



Nestas alturas ou nestas profundidades, compreendemos a frase de SPITTA: "Cada indivíduo procura no Cristianismo o seu cristianismo, a sombra que lhe faz bem"; "tenho a minha religião não porque
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59. O. PFLEIDERER, Die Entwichlung der protestantischen Theologia in Deutschland seit Kant und in Grossbritannien seit 1825, Freiburg i. B., 1891, p.; 494.


60. A. HARNACK, Lehrbuch der Dogmengeschichte, Tübingen, 1900. I (4), pp. 3-25.


61. Le Protestant, 20 Fev. 1909, cit. nos Etudes, t. 121 (1909), p. 604.


62. A. SABATIER, Esquisse d'une philosophie de la religion (8), Paris, Fischbacker, sem data, I. II, c. 2, § 3; c; 3. § 2.


63. TROELTSCH, Die Absolutheit des Chsitentums und die Religiogeschichte, Tübingen u. Leipzig, 1902, p. 82.





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seja verdadeira, senão que é verdadeira porque é minha";64 compreendemos ainda o dito de PAULSEN "ser ligado em mim só pela minha razão, eis o em que consiste a magna carta do cristianismo";65 compreendemos a confissão da célebre condessa IDA DE HAHN-HAHN, luterana: "minha religião é religião individual; minha fé é minha fé; pouco importa qual seja a nossa fé contanto que seja a nossa fé. É a fé que bem-aventura, disse Cristo, não esta ou aquela fé";66 compreendemos, por último, a declaração de MONOD, historiador de valia e protestante convencido: "a reforma foi um movimento filosófico destruidor do cristianismo positivo e do princípio de autoridade em matéria de fé; não há autoridade nem certeza dogmática fora da tradição eclesiástica representada pelo catolicismo e o protestantismo outra coisa não é senão uma série ou coleção de formas religiosas do livre pensamento" 67 Boa definição: o protestantismo é um panteão de todas as religiões. Tal resumo sintético da lição dos fatos.


Poderia conceber-se ainda uma dissolução mais profunda? Sim. O homem quando precipita no resvaladouro do erro, raras vezes para à meia encosta; despenha-se quase sempre até ao fundo do abismo. Tal a sorte dos protestantes.


A existência de um Deus pessoal e de uma vida futura são verdades racionais que servem de base insubstituível a qualquer religião positiva. O picão das crítica negativista acabou por atingir também estes profundos alicerces da religião natural, respeitados até pela porção mais sábia da filosofia pagã. PAULSEN afirma sem hesitar que a fé num Deus pessoal e transcendente é insustentável.68 Evitemos a personalidade de Deus, aconselha TRÜMPELMANN;69 rejeitemo-la como uma contradição formal, acentua BIEDERMANN.70 Estamos em pleno ateísmo. Também esta suprema negação, último degrau
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64. SPITTA, Mein Recht auf Leben, p. 419. Três páginas atrás escrevera? "a essência vital do cristianismo evangélico consiste em assimilar-se livremente o evangelho na medida das necessidades religiosas pessoais", pp. 415-16. Cit por V. CATHREIN, Glaugen und Wissen (3) Freiburg i. B., 1902 p. 216.

65. PAULSEN, Philolphia militans (3), Berlin, 1908; pp. 52-53. Aí está! Começou-se com a magna carta da Bíblia para acabar na magna carta do racionalismo. Mas tudo é lógico e o erro nem sempre é livre na escolha dos seus descaminhos.

66. IDA DE HAHN-HAHN Orientalisch Briefe, 1844, t. I, p. 310. É sabido como mais tarde a célebre escritora se converteu ao catolicismo.

67. Revue histoirque, t. XLIX, mai-août, 1892, p. 103.

68. PAULSEN, System der Ethik (8) Stuttgart u. Berlin, I, pp. 429-30.

69. TRÜMPELMANN, Op. cit., p. 53.

70. Cfr. G. CH. BERNH. PÜNIER, Geschischte der chrislichen Religionsphilosophie seit der Reformation, Braunschweig, 1883, t. II, pp. 292, sgs
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na decadência religiosa, se vai pavorosamente alastrando entre os ministros "evangélicos". "A liberdade protestante degenerou em anarquia; a pastores ateus chega-se a permitir que batizem em nome da "Verdade, da Beleza e do Bem""... O cristianismo do clero é de tal modo relaxado que o pastor ateu continua no exercício de suas funções... O ateísmo é pregado do alto dos púlpitos por eclesiásticos protestantes".71

Quanto à vida de além túmulo não temos necessidade de fantasiar nenhuma mitologia do além;72 uma continuação pessoal depois da morte é coisa de todo inimaginável;73 a imoralidade "é um sonho que de mil maneiras sonharam todos os povos", remata sem mais PAULSEN.



Nada mais há que negar. O protestantismo pode descansar triunfante. Sua obra de destruição é completa: "uma imensa incerteza apoderou-se da sociedade cristã".74 


Recapitulemos e concluamos. Os patriarcas da Reforma inauguraram a revolta religiosa, rejeitando a autoridade divinamente constituída em sentinela da ortodoxia, em guarda infalível do patrimônio revelado e da unidade da fé. Em seu lugar embandeiraram a autonomia individual, o talante individual, o capricho individual, sob o rótulo do livre exame, como árbitro supremo e inapelável em matéria religiosa. Estava aberta a estrada a todos os excessos. Já dissera M. DE STAEL: "Os primeiros reformadores julgaram poder colocar as colunas de Hércules do espírito humano no horizonte das próprias luzes, mas desconsideradamente esperaram que os pósteros se haveriam de submeter às suas decisões como infalíveis, depois de haverem rejeitado essa infalibilidade na Igreja católica.".75


Postos os princípios seguiram-se as consequências com a força irresistível das necessidades lógicas. Os dogmas, uns após outros, caíram sob os golpes do livre exame. Não ficou de pé nem o dogma central da divindade de Cristo. A que se reduzia então o cristianismo? - Mas era mister salvar nome tão glorioso na história da civilização humana. Inventou-se para isso o cristianismo adogmático, isto é, o mais radical subjetivismo religioso condecorado com o título da religião antiga. E com a pobre razão humana desajudada

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71. H. SCHÄFER, Jesus in psychiatrischer Beleuchtung, Berlin, 1910, pp. 168, 173, 176.

72. TRÜMPELMANN, Op. cit., p. 388.

73. STENDEL, System der Ethik (80). t. I, p. 444.

74. H. SCHOLZ, no Christliche Welt, 1901, p. 1036.

75. M. DE STAEL, De l'allemagne, 4c. partic, c. 2; ed. de Paris, 1813, 6. III, p. 264.




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das luzes da fé e arrastada pela impetuosidade das paixões sem freio, cai sempre abaixo de si mesma, a pseudo-filosofia religiosa acabou por envolver nas trevas da negação as verdade primordiais que foram sempre os polos da religião e da moral. Onde havia unidade campeou a anarquia, onde esplendia a revelação entronizou-se o racionalismo, onde se firmava a certeza entrou a vacilar o ceticismo, e, com o ceticismo, a indiferença, a desesperança e a morte.



Das profundidades deste abismo elevemos o olhar e contemplemos desiludidos esta "unidade dogmática e moral" assoalhada pelo pastor brasileiro, esta concordância das seitas protestantes que "aceitam todos os artigos do credo dos apóstolos". Na simplicidade de sua inconsciência, o Sr. C. PEREIRA, não mostrando sequer suspeitar o que tem sido a história dogmática do protestantismo continua a embalar os seus leitores brasileiros com os acordes monótonos de sua "harmonia fundamental". Mas a realidade não se suprime, os fatos não se destroem. O protestantismo dilacerado até às entranhas morre, vítima do vírus fatal que lhe inocularam os seus progenitores.



Em frisante oposição ao otimismo de douradas ilusões do nosso ingênuo teólogo, lúgubre e agourenta é a voz que irrompe, incoercível, dos protestantes perspicazes ao contemplarem o progresso acelerado e inveitável desta decomposição rebelde à assepsia de todos os meios humanos.



Em França, é GASPARIN que no opúsculo Agonie du protestantisme escreve: São tantos os sintomas de morte do protestantismo francês que é impossível não o crer chegado a este ponto do desenvolvimento em que começa a decadência e se aproxima o fim. Para a igreja de CALVINO soou a hora da morte".76



Na Inglaterra, é o célebre doutor anglicano JESSOP que assim fala da sua igreja: "Uma sociedade incapaz de suportar uma reorganização... é uma sociedade que não pode ser defendida. Acha-se atualmente in articulo mortis. Sua dissolução poderá ser retardada por algum tempo mas não se lhe poderá conservar indefinidamente a vida, envolvendo-a em flanelas ou abrigando-a de todas as correntes de ar".77 Nos Estados Unidaos, EWER, ministro episcopaliano, a uma série de conferências dadas em Nova-York pôs por título
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76. GASPARIN, Agonie du protestantisme francais, p. 7, 8, cit. por BOUGAUD, Le Crhistianisme et les Temps présents, t. IV (7), P. 311, E. SCHÉRER não hesita em afirmar que "à l'eure qu'il est le protestantisme se volt livré a une crise qui menace son existence", Mélanges  a histoire religieuse, Paris, 1865, p. 256.

77. The Nineteeth Century, jan. 1896.




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"o malogro do protestantismo". Nelas prova o autor que em toda a parte onde o protestantismo assentou o pé se seguiu a incredulidade mais radical, porque o seu princípio outra coisa não é senão o racionalismo.78


Na Noruega, ouçamos a voz abalizada de KROCH-TONNING: "Há um fato cuja realidade, por sua nímia evidência, só escapa aos olhos pouco penetrantes, e é que atualmente a igreja luterana caminha fatal e progressivamente para a sua completa dissolução. Sim, sem dúvida, ao considerarmos o que se passa no seio desta igreja, devemos reconhecer a assinatura do tempo nesta palavra sinistra e sem equívocos: destruição".79


Na Alemanha é HARTIMANN quem assim se exprime: "O princípio protestante da negação crítica da autoridade chegou às suas derradeiras consequências... com a inteira dissolução do cristianismo positivo e com o enfraquecimento e destituição completa da religião. Sob este nome só existe uma irreligião inteiramente mundana".80 A tutela benévola do estado conservou por longo tempo as formas exteriores da igreja luterana. Mas os próprios protestantes reconhecem que no dia em que lhes faltasse esse apoio a igreja oficial cairia desfeita em ruínas. "Ninguém pode duvidar, escreve ROHRBACH, que do momento em que as igrejas regionais da Alemanha, hoje oficialmente reconhecidas, fosse obrigadas a viver sem a sombra do estado e a estima, que ainda por interesses pessoais, lhes mostram as classes elevadas, perderiam em pouco tempo a sua importância, que se veria limitada ao pequeno círculo das próprias comunidade religiosas".81 É por este motivo, nota OSCAR STILLICH, que ainda nos nossos dias se batem os nacionalistas liberais pela união da igreja e do estado. A separação "acarretaria sem dúvida consequências muito diversas para a Igreja católica e para a evangélica. Na livre concorrência a mais bem organizada levaria a melhor. Este medo da superior organização da Igreja católica é a razão capital por que o liberalismo já não inclui no seu programa a antiga aspiração".82 

Enfim, em todo o mundo intelectual e social do protestantismo se verifica a palavra angustiada do Dr. ZAHN: "tudo se dissolve. A
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78. EWER. Conférences religieuses, p. 302. Ap. GOUTGAUD, loc. cit.

79. KROCH-TONNING, Le protest. contemporain, Ruine constitut., Paris, 1901, p. 10.

80. HARTMANN, Le religion de l'avenir (1), Patris 1877, c. VIII, pag. 130-31.

81. PAULO ROHRBACH, Des deutsche Gedanke in der Welt, 76, 90.º milhjeiro, p. 121.

82. Cit. por H. ROST, Die Kulturkraft des Katholizismus (2), Paderborn, 1919, p. 281.



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igreja histórica da Reforma já não existe. Caminhamos para o paganismo".83

Ante a lição persuasiva deste fatos, não é mister ser profeta nem filho de profetas para enxergar no futuro; basta ter olhos de ver. A lógica dos princípios e dos fatos, os ensinamentos históricos do passado e do presente projetam torrentes de luz sobre o porvir. Ao protestantismo só resta a alternativa de voltar ao seio da Igreja católica e reconquistar, com a unidade, o segredo perdido da vida cristã, ou de dissolver-se fatalmente na incredulidade do racionalismo. Em qualquer hipótese, é irremissivelmente condenado a desaparecer como o gnosticismo, o arianismo, o nestorianismo e todos os outros grandes ramos separados da Igreja, em cujo único tronco circula a seiva cristã de vida imortal. Do protestantismo, como de todas as heresias passadas dirá um dia a história: o protestantismo foi.84 

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83. Ao CROCH-TONNING, Le protest. contemp., Reuine Doctrinale, Paris, Bloud, 1910. p. 19.

84. Bibliografia. Sobre a evolução e dissolução dogmática do protestantismo. Entre os antigos: BOSSUET, Histoire des variations des églises protestantes, 1688; PLANCK, (protestante) Geschichte der Entstechung, der Verainderung und der Bildung Unseres protestantischen Lchrbegriffs, Leipzig, 1799. Entre os modernos: L. A. FILLION, Les étapes du rationalisme, dans ses attaques contra les Evangiles et la vie de J. C. (2) Paris, Lethiellieux, 1911; J. B. KISSLING, Der deutsche Protestantismus 1817-1917, 2. vols. Münster i. W. 1917-18; G. GOYAU, L'Allemagne religiuse, le Protestantisme (2), Paris, Perrin, 1898; LICHTENBERGER, Histoires des idées religieuses en Allemagne depuis de XVIIIe. siècle jusq'à nos jours (2), 3 vol., Paris, Fischbacker, 1888; H. PINARD DE LA BOULLAYE, L'étude comparée des religions, Paris, GBeauchesne, 1922, cc. 5-6, pp. 176-179; A. M.; WEISS, Die religioese Gefehr (5), Freiburg i. B., 1904.