sábado, 19 de junho de 2010

PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO PROTESTANTISMO À LUZ DA HISTÓRIA E DA RAZÃO - IRC/LCP II-II-2

O cânon protestante, "só a Bíblia", é desconhecido de toda a antiguidade. Para encontrá-lo é necessário afastarmo-nos 15 séculos das origens do cristianismo e chegarmos ao frade revoltado. Realmente para estabelecer uma regra de fé era tarde... era muito tarde

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Livro II 

São Pedro, Papa Imortal


CAPÍTULO II - PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO PROTESTANTISMO

§ 2. - O princípio fundamental do protestantismo à luz da história e da razão.


'SUMÁRIO - A regra de fé no cristianismo primitivo. - O exclusivismo do princípio bíblico condenado pela razão e pelo bom senso.


A regra de fé cristã deve ser evidentemente tão antiga como o próprio cristianismo. Preenche o cânon protestante esta condição essencial? O estudo direto da Bíblia que fizemos no parágrafo anterior mostrou-se a todas as luzes que durante o primeiro século da Igreja, o magistério vivo dos apóstolos e dos sucessores era o veículo principal do ensino religioso. A história vai agora demonstrar-nos que os séculos seguintes não conheceram outra norma dogmática. Os testemunhos são inumeráveis; escolheremos os mais antigos.




Três grandes vultos, INÁCIO, POLICARPO e CLEMENTE ROMANO, emergem no fim do primeiro século e constituem o elo de união entre os apóstolos de que foram discípulos imediatos e as gerações posteriores do 2.º século. 


Qual a regra da fé inculcada por estes porta-vozes do ensino apostólico? EUSÉBIO resume neste termos o conteúdo das epístolas de S. INÁCIO: "Advertia, antes de tudo, as igrejas das diversas cidades, evitassem, sobre todas as coisas, as heresias que começavam então a nascer e alastrar e exortava-as a se aterem tenazmente à tradição dos apóstolos".11 

Com efeito, na sua epístola aos Efésios escreve o santo mártir: "Antes exortei-vos a vos conservardes unânimes na
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11. EUSÉB., Hist. Eccles., III, 36, (MG,M XX, 287).


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doutrina de Deus: pois Jesus Cristo, nossa vida inseparável, é a doutrina do Pai, como a doutrina de Jesus Cristo são os bispos constituídos nas diversas regiões da terra; cumpre, portanto, que sejais concordes no sentir do bispo... A quem envia o Pai de família para governar os seus, devemos acolher como aquele que no-lo envia. É, pois, evidente que o bispo deve ser considerado como o próprio Senhor".12 


Os pastores legitimamente constituídos e em comunhão com a Igreja católica são, como se vê, a verdadeira norma de fé, à qual se devem ajustar os fiéis para permanecer na verdadeira doutrina de Jesus Cristo; são os intérpretes autorizados do evangelho, os respresentantes visíveis de Deus em cada igreja local. Sobre este ponto insiste INÁCIO em quase todas as outras epístolas.13 

S. POLICARPO nos alerta, a fim de evitarmos as heresias, a que deixando a vaidade de muitos e as falsas doutrinas, sigamos a doutrina que possuímos, por tradição desde o princípio: ad traditam nobis ab initio doctrinam convertamur". 14 Como POLICARPO, discípulo de S. João, fala CLEMENTE, discípulo de S. Pedro e seu sucessor na cátedra de Roma. Aos Coríntios escreve assim: "Os apóstolos mandados por J. C. foram os que nos pregaram o Evanmgelho. Jesus Cristo foi mandado pelo Padre; assim Cristo vem de Deus, os apóstolos de Cristo. Estes, pois, recebidas as ordens... partiram para anunciar o reino de Deus e constituíram bispos e diáconos para os que haviam de crer.15 Aí estão, pois, os bispos destinados pelos apóstolos a continuar o ensino vivo aos novos fiéis. A doutrina que deverão crer não nos vem do livre exame ou da inspiração individual, mas é-nos transmitida pela "gloriosa e venerável regra de nossa tradição".16 Aliás, o simples fato de escrever CLEMENTE esta carta é uma prova magnífica do magistério autêntico transmitido pelos apóstolos aos seus sucessores. 

IRINEU assim nos relata o fato: "sob CLEMENTE, havia nascido forte discórdia entre os irmãos de Corinto, a Igreja de Roma escreveu-lhe uma carta enérgica, "potentissimas literas" exortando-os à paz, reparando-lhes a fé, e anunciando-lhes a

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12. S. INÁCIO, Ad ephesios, IIII-IV (F. I(2), 177-179).

13. Cfr. Ad Philadelphos, n. II-III (F. I(2) 225-227); Ad Tralianos, n. VII (F, I (2), 207); Ad Magnesios, n. II-III (F, I (2), 195-197), Ad Smyrnaeos, n. VIII (F, I(2), 291).

14. Epist. ad Philippenses, n. VII, 2 (F, I(2), 275).

15. Epist. ad Corinthios, c. XLII (F. I(2), 113).

16. Ibid. VII, 2 (F, I(2), 71)




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tradição que havia pouco tinham recebido dos apóstolos". 17 A primitiva Igreja não conhecia a Bíblia, "único juíz das controvérsias", como pretendem os reformadores. 


Na geração seguinte, chamamos a depor outros três nomes que, pela vastidão dos seus conhecimentos, pelas controvérsias em que tomaram parte, são testemunhas superiores a toda exceção. Falamos de IRINEU, TERTULIANO e ORÍGENES. 

IRINEU fala-nos da tradição com uma clareza admirável. Em todo o seu livro Adversus haereses, escrito contra os gnósticos, o bispo de Lião opõe aos inovadores, como argumento invencível, a tradição viva, pública, infalível da Igreja. Citemos, entre inumeráveis outros, os passos seguintes: "Aí está patente, a quantos querem ver a verdade, a tradição dos apóstolos, manifesta em toda a Igreja desseminada pelo mundo


inteiro; podemos enumerar os bispos cosntituídos pelos apóstolos e os seus sucessores até nós: nenhum destes ensinou ou conheceu o que estes agora devaneiam".18 "Não devemos buscar nos outros a verdade que é fácil receber da igreja pois os apóstolos, a mãos cheias, versaram, nela, como em riquíssimo depósito, toda a verdade... Este é o caminho da vida".19 E o santo polemista conclui a suficiência deste magistério vivo, ainda quando nos faltassem as escrituras: "E se os apóstolos não nos houvessem deixado as escrituras, não cumpria seguir a ordem da tradição por eles ensinada aos a quem confiava a sua Igreja? A esta economia se adaptam muitos povos bárbaros que crêem em Cristo, porque sem papel nem tinta, trazem a salvação escrita pelo Espírito nos próprios corações e conservam diligentemente a tradição antiga".20 

À voz de IRINEU nas Gálias, faz eco a de TERTULIANO na África. Toda a doutrina do valoroso apologeta sobre o modo de polemizar com os hereges, largamente exposta no livro De Praescriptionibus, resume-se nesta idéias: Nas discussões contra hereges é de pouca utilidade apelar para a Escritura, porque os adversários, quando não a corrompem ou mutilam, ao menos lhe pervertem o sentido, e, muitas vezes, não se pode alcançar, com certeza, o significado de um texto a não ser pelo magistério autêntico da tradição.
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17. Adv. Haeres., III, c. 3, n. 3 9MG, VII, 850).

18. Adv. Haeres., III, 3, 1 (MG, VII, 848).

19. Adv. Haeres., III, 4, 1 (MG, VII, 855).

20. Adv. Haeres., III, 4, 1 (MG, VII, 855). Cfr. ainda III, 24; I, 20; v. 20; 26, 33, ETC., ETC., (MG, VII, 966, 552, 1.177, 1.053, 1.077). 


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Todo o vigor da luta, deve, pois, concentrar-se em saber onde reside este magistério autêntico do qual se deve receber assim a Escritura como a sua legítima interpretação. - O livro de Tertuliano parece talhado de encomenda para os protestantes. Mas ouçamos diretamente as palavras do valente polemista: "De nada vale a discussão das Escrituras. A heresia não aceita alguns dos seus livros, e se os aceita corrompe-lhes a integridade, adulterando-os com interpolações e mutilações, ao sabor de suas idéias, e se, algumas vezes admite a Escritura inteira, perverte-lhe o sentido com interpretações fantásticas... Não se deve, pois, apelar para a Escritura, nem implantar a questão em campo onde não pode haver vitória, ou, pelo menos, vitória certa. De fato, ainda que o confronto das Escrituras não deixasse as duas partes no mesmo pé, a boa ordem pede que primeiro se proponha - e é o que agora disputamos - determinar quem possui a verdadeira fé, a quem pertencem as Escrituras, por quem, a quem e quando foi confiada a disciplina que nos faz cristãos (quibus sit tradita disciplina qua fiunt christiani). Onde estiver a verdade da disciplina e da fé, aí se cachará a verdade das Escrituras, da sua intepretação e de todas as tradições cristãs".21 Pouco adiante é ainda mais frisante o seu argumentar. Leia-se em toda a energia o original latino: "Si haec ita se habent ut veritas novis admudicenter, quicumque en ea regula incedimus, quam Ecclesia ab apostolis, apostoli a Christo, Christus a Deo tradidit, constat ratio propositi nostri definientis no esse admittendos haereticos ad ineundam de Scripturis provocationem, quos sine schripturis probamus ad Scripturas non pertinere".22 

Fechemos a tríade com o testemunho de ORÍGENES. É a igreja grega, harmonizando com a africana e a gaulesa, no concerto da Igreja universal. Assim escreve o grande catequista alexandrino: "como são muitos os que pensam possuir a verdade de Cristo e alguns deles opinam diversamente dos antigos, conserve-se a pregação eclesiástica ensinada pelos apóstolos segundo a ordem de sucessão (servetur eclesiastica praedicatio per successionis ordinem ab apostolis tradita) e que até ao presente existe nas igrejas: só se
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21. De Praescript., c. 19 (ML, II, 31).

22. OP. Cit., c. 37 (ML, II, 50-1). Cfr. Adv. Marcionem, I, 21; IV, 5 (M, II, 270,366).




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deve crer na verdade, que em ponto algum discorda da tradição eclesiástica e apostólica".23 Não nos é necessário continuar a série de citações. Com ORÍGENES chegamos até ao meado do século III. 

Daí por diante as testemunhas multiplicam-se extraordinariamente, e, a respigar-lhes os textos, encheríamos sem dificuldade um volume. Recordemos apenas o dito célebre de AGOSTINHO: "ego evangelio non crederem nisi me catholicae acclesiae commoveret auctoritas";24 a frase esculptória de S. JOÃO DAMASCENO: "qui secundum Ecclesiae catholicae traditionem no credit, hic infidelis est";25 a palavra autorizada de CIRSÓSTOMO, o grande intérprete das Escrituras: "Os apóstolos não ensinaram tudo por escrito, mas muitas coisas sem escrituras, e estas são igualmente dignas de fé. Tenhamos, portanto, como digna de fé, também a tradição da Igreja. Há tradição? Basta".26 E pela mesma doutrina afinam S. HILÁRIO, S. ATANÁSIO, SÃO BASÍLIO, S. GREGÓRIO, S. JERÔNIMO, S. EPIFÂNIO, S. CIRILO ALEXANDRINO, S. VICENTE DE LERINS, numa palavra, todos os Padres e Doutores, gregos e latinos, antigos e recentes.27 

Não obstante o peso esmagador de tantas autoridade, o Sr. C. PEREIRA continua a afirmar, para uso e edificação dos seus leitores que "diante da história imparcial, o Protestantismo outra coisa não é que o catolicismo primitivo sacudindo de si o romantismo papal", p. 51. A tradição representa um "dos elementos estranhos,
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23. PRIGENES, De principiis, 1. I, n. 2 (MG, XI, 116).
Mais explicitamente ainda, se é possível: "Quoties [haeritici] canopnicas proferunt Sripturas, in quihus onis christinus consentit et credit, videntur dicere; ecce om domibus verbum est veritatis (alusão a Math., XXIV, 26). Sed nos illis credere non debemus nec exire a prima et ecclesiastica traditione, nec aliter credere nisi quemadmodum per succerssionem Ecclesiae Dei traditerunt nobis". In Math. Comment. series (MG. XIII, 1667).

24. S AGOSTINHO, Contra apestolam Menicaei quam vocant fundamenti, C. 5, (ml, xlii, 176).

25. Jo. DAMASC., De fide orthodoxa, t. 4, c. 10 (MG, XCIV, 1127)

26. Jo. CHRYSOST., In 2. Thess. Hom. 4, 3. 2 9mg, lxii, 488).

27. S. HILARIUS, Opus hist. Fragm. 7, n. 3, 4 9ML, X, 697); S. ATHANAS., Encycl. ad episcopos, n. 1 (MG, XXV, 226); S. BASIL., Homelia c. Sabelianos (MG, XXXI, 607, 610); SD.GREG. NYSS., c. eunomium, 1. 4 (MG, XLV, 654). S. EPHIPHAN., Adv. Haeres., HAERES. 55, n.3 (MG, XLI, 978); S. HIRON., Ad. Thophilum, Epist. 63, n. 2; S. AUGUSTINUS, De bapt. c. Donatistas, 1. 2, n. 12; 1. 4, n. 30-0 (ML XLIII, 133, 274); S. CYRIL. ALEX., Homilia Paschalis, 8,n. 1 9MG, LXXVII, 558); S. VINCENT. LERIN., Commonitorium, nn. 2, 3, 27, 29 (ML, L, 640, 641, 674, 677).; É justa, pois, a confissão do protestante LESSING: "É inegável que a tradição oral foi um tempo a única fonte da verdade e é absolutamente impossível assinalar uma época em que ela não só se tinha tornado fonte secundária, mas em tudo e por tudo cessado de ser fonte". LESSING, Weke, Leipzig, Philipp. Recam (sem data), t. VI, Theologische Streitschritten, p. 306.


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acrescidos ao credo cristão na romanização paganizante com o volver dos séculos tenebrosos das barbárie mediévica", pp.51, 54. Já esperávamos pelas caligens medievais. Felizmente as trevas não estão na idade média, como acaba de ver o leitor, estão mais próximas de nós; são outros cérebros, que não os medievos, os ofuscados pelo fumo da ignorância. O cânon protestante, "só a Bíblia", é desconhecido de toda a antiguidade. Para encontrá-lo é necessário afastarmo-nos 15 séculos das origens do cristianismo e chegarmos ao frade revoltado. Realmente para estabelecer uma regra de fé era tarde... era muito tarde.

Depois de ouvirmos a Bíblia e consultado a história é justo que por último, demos audiência à razão e ao bom senso: Razão e bom senso exigem que a regra de fé seja universal: universal objetivamente, abraçando todas as verdades reveladas e universal subjetivamente, estendendo-se a todos os indivíduos que a devem aplicar para orientar-se com segurança na mais grave, na mais transcendente, na mais vital das questões humanas, a questão religiosa. A regra protestante não satisfaz a nenhum destes requisitos fundamentais como passamos facilmente a demonstrar.


É possível só com a Bíblia estabelecer com certeza todos os dogmas revelados? Evidentemente, não. Há, pelo menos, uma verdade, verdade fundamental e pressuposta a todas as demais, que, sem manifesto círculo vicioso, não se pode asse ntar com a autoridade exclusiva da Bíblia. É a existência do própria Bíblia como livro revelado, como palavra inspirada de Deus. Quais são os livros que fazem parte da coleção sagrada? Como se pode provar que foram eles escritos por inspiração e sob o ditado do Espírito Santo? - Por meio da mesma Bíblia? Mas a Bíblia não o diz, pelo menos, de todos os livros. Onde afirmam S. Mateus ou S. Marcos que os seus evangelhos são inspirados? E se o afirmassem, deveríamos, sem mais exame, prestar-lhes fé? De ver está que não. Se um livro é divino, só porque ele o assevera, a quantos livros humanos não se deveria estender esta prerrogativa! Toda a literatura religiosa da Índia, da China, da Caldéia, da Pérsia e do Egito entraria, assim de roldão, na categoria das divinas escrituras. Os Vedas, o Y-King, o Zend-Avesta e o Corão se imporiam à docilidade

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de nossa fé com o mesmo direito que o Pentateuco ou os Evangelhos, Isaias e S. Paulo. Deveríamos, porventura, recorrer à crítica histórica? É o que parece insinuar o Sr. C. PEREIRA quando escreve: "Como documento histórico (a Bíblia) está sujeita naturalmente às leis da crítica histórica, que deve examinar os seus títulos, verificando a sua autenticidade e genuinidade, e só depois de seu veredictum é que se pode estabelecer a sua canonicidade", p. 84. - Ingenuidade infantil! A crítica histórica não pode dizer coisa alguma sobre a inspiração de um livro. É este um caráter sobrenatural que exorbita, por completo, da esfera de suas atribuições. Tomai-me o 3.º evangelho. Armai-vos com todo o arsenal da arte crítica. Estudai-o interna e externamente. Qual será o resultado da vossa análise? Que o 3.º evangelho foi escrito em grego, por volta do ano 60, por um discípulo de S. Paulo chamado Lucas. Nem mais nem menos, como afirma com a mesma certeza que as epístolas aos Coríntios(não as canônicas de S. Paulo) foi escrita pouco depois do ano 90 por S. Clemente, discípulo de S. Pedro. Mas é inspirado o Evangelho de S. Lucas? É inspirada a epístola de S. Clemente? A crítica emudece; para questões desta ordem falece-lhe de todo a competência. Mas, dirá algum protestante antiquado com o Sr. C. PEREIRA, no estabelecer a canonicidade "entra um outro elemento, aliás importante, que é o testemunho itnerno do Espírito Santo", p. 84. - Outro subterfúgio ridículo de advogado em talas. Quem vos assegurou esse testemumnho interno do Espírito Santo? Como se faz ele sentir à consciência? Quem poderá com sinceridade afirmar haver experimentado em si esta ação divina discriminatória de livros inspirados? E quem não vê que recorrer a esse critério individual, vaporoso, inverificável é achanar o caminho aos mais desastrosos excessos do subjetivismo? O mesmo testemunho interno do Espírito Santo que segreda aos ouvidos de LUTERO que a epístola de S. Tiago é "uma epístola de palha", mumurará aos de CALVINO que é um livro inspirado. Ouvi a crítica do princípio protestante feita por um teólogo norueguês, o mais autorizado dos autores luteranos deste país. "Nada entre o livro e o leitor, mas quantos absurdos teóricos! Nada entre a alma e Deus, mas quantas impiedades na prática! E seria isto a verdade! Seria isto a salvação! E a estes princípios confiaria eu a minha eternidade! O Espírito Santo está em mim. Ele é quem me inspira, quem me guia... Mas todos dizem que possuem o Espírito Santo e o seu

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procedimento me diz que o não possuem. O Deus da verdade seria então o Deus da confusão! Não seria mais o Deus da paz?".28 Sem uma autoridade infalível fora da Bíblia, é, portanto, impossível afirmar a inspiração e organizar o cânon ou catálogo dos livros inspirados. O protestantismo, negando a existência desta autoridade, pôs-se na contraditória e insustentável necessidade de jurar fé por um livro cujo caráter divino é incapaz de demonstrar. Já WISEMAN fizera notar a ridícula situação do protestante que "depois de comprar uma Bíblia inglesa impressa por Thomas Basket ou qualquer outro impressor da mui excelente majestade de El-Rei, a folheia com a confiança de quem a houvera recebido imediatamente das mãos do Todo-Poderoso, como outrora Moisés recebeu as tábuas da lei no Sinai, entre coriscos e trovões". Lacunosa no seu aspecto objetivo por insuficiente pasra assentar todos os dogmas, muito menos pode a Bíblia considerar-se como nome subjetivamente universal. Cristo, que mandou pregar o Evangelho como veículo único de sua doutrina um órgão de transmissão que não estivesse ao alcance de todos. A Escritura manifestamente não se acha nestas condições. Hoje, as sociedade bíblicas da América e da Inglaterra multiplicam e difundem as sua edições com relativa facilidade. Mas transpçortemo-nos aos tempos anteriores ao descobrimento da imprensa. São 14 séculos em que um só exemplar da Bíblia representava uma soma considerável de trabalho, de despesas e de tempo. Dizem-nos os historiadores que no século XI escasseavam tanto as Bíblias que era mister uma fortuna, uma verdadeira fortuna, para adquirir-lhes um exemplar. Só os reis, os príncipes, os mosteiros, as colegiadas e universidades podiam permitir-se a esse luxo. Reproduzir com estilete no pergaminho uma cópia do livro sagrado demandava a vida inteira de um homem: tarefa longa, enfadonha, sumamente custosa. Como obter então os exemplares necessário?29 E os pobres? Não deu
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28. KROGH TONNING, Le protestantisme contemporaine, Ruine constitutionelle, p. 40-1. O ilustre teólogo norueguês, professor de universidade e pároco em Cristânia, depois de profundos estudos sobre a antiguidade cristã atestados em obras de grande valia, reununciou em 1900 os pinguies benefícios aclesiásticos da sua igreja nacional para buscar no seio do catolicismo a verdade e a paz de consciência que não encontrara na igreja luterana. O escrito que citamos é anterior à sua conversão.

29. Num momento de distração todo preocupado em desenbaraçar-se de um texto molesto de S. IRINEU, o Sr. CARLOS PEREIRA ceixou cair da pena esta confissão preciosa: "poucos eram os que no seu tempo podiam recorrer aos raros manmuscritos canônicos existentes nos centros cristãos", p. 296. Por que então arvorar em regra de fé universal um livro raro a que poucos eram os que podiam recorrer? O cristianismo não é para todos? E para todos os tempos? A verdade, norma de fé, pode andar sujeita às vicissitudes do progresso material ou às desigualdades da fortuna?


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Jesus como um dos caracteres de sua missão a evangelização dos pobres? (Luc. IV, 8). Os deserdados da fortuna incapazes de arcar com as despesas dos grandes rolos de pergaminho morreria à fome; o pão da palavra divina não seria repartido aos pequeninos. A ser verdadeiro o cânon protestante, fora mister que o Salvador juntamente com a sua doutrina trousesse também à terra os tipos de Gutemberg. E bastaria? Ainda não. Não basta ter um livro, é mister lê-lo. E quantos sabem ler? Verdade é que o Sr. C. PEREIRA, afirma "que o culto reformado repousa sobre um livro - A Bíblia: o protestante deve, pois, saber ler", p. 121. Mas no 15 séculos que precederam a Reforma não se sabia que a instrução obrigatória era cláusula essencial para salvar-se; nos 4 séculos que se lhe seguiram,, o analfabetismo continuou a ser a condição da maior parte do gênero humano, nem parece ser para breve o dia em que todos os homens poderão deletrear a sua Bíblia. Que turba infinita fora do caminho da salvação pelo imane delito de não ter passado pela cartilha! "Pobres almas inocentes, dizia LESSING, como vos compadeço, vós que falais uma língua na qual a Bíblia não foi ainda traduzida! E vós também que não sabeis ler! Pensáveis que sendo batizados éreis cristãos! Infelizes, aprendei que saber ler é tão necessário à salvação como ser batizado".30


Dirá alguém: os que não sabem ler recorram ao pastor. Impossível e ilógico. O Sr. CARLOS PEREIRA põe logo embargos: "Se eu tenho de responder por mim, devo por mim mesmo julgar: não pode haver imputabilidade onde não há discernimento. A responsabilidade individual em seguir a verdade religiosa implica forçosamente a liberdade individual na aquisição inteligente dessa verdade", p. 35. E aí está aonde leva a lógica protestante. A grande massa da humanidade incapaz de responsabilidade por ignorância do abc. LOMBROSO povoou os cárceres de impuníveis por fatalidade biológica. CARLOS PEREIRA povoa o mundo de irresponsáveis por analfabetismo. O antropólogo italiano argui expressamente a justiça humana de iniquidade, por não haver convertido as prisões em hospícios; o pastor brasileiro (influxo inconsciente
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30. LESSING, Breiträge zur Ceschichte und der Litteratur, a ap. AUDIN, Histoire de Calvin, Paris, 1841, 6. II, p. 49.

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de sua profissão gramatical?) acusa implicitamente a bondade divina de não haver transformado o mundo em imensa escola, onde a humanidade, soletrando o "b-a-ba" começasse a ser responsável susceptível de obrigações religiosas. Mas, independentemente dos embargos do Sr. C. PEREIRA, o recurso ao pastor "como é natural no católico assim é ilógico no protestante; ilógico e irrisório", como o disse STRAUSS. Para o católico, o pároco representa o bispo de que recebe sua missão e autoridade de ensinar. O bispo em comunhão com o Papa representa na sua diocese a doutrina da Igreja universal e infalível à qual Cristo fez a promessa indefectível de assistência divina. Nada, pois, mais justo, nem mais racional, que descansar tranquilamente nos ensinamentos ministrados, em nome de uma autoridade que se sabe infalível. Para o protestante, ao invés, o ministro é um homem isolado, falível, sem missão, que anda talvez ocupado ainda em formar o seu credo religioso, que hoje ensina uma coisa, amanhã outra (*), conforme as novas revelações que lhe vai descobrindo o livre exame de sua Bíblia. E, suposta já terminada a redação do seu símbolo, que autoridade tem ele para impô-lo aos outros? A opinião particular de um homem é falível. Como construir sobre esta base vacilante o edifício divino da fé? Como confiar cegamente a uma probalidade humana os riscos da minha eternidade? Com que direito impor aos simples fiéis o jugo da infalibilidade fictícia do primeiro predicante que se arvora em missionário sem credenciais? Por que razão deveria o homem do povo confiar os interesses mais sagrados de sua consciência ao primeiro aventureiro, que, elevando-se alguns palmos acima da turba dos seus ouvintes, com a Bíblia na mão, se inculca intérprete do Altíssimo, e aqui prega a divindade de J. C., ali a nega, aqui confessa a presença real, ali a condena como blasfêmia, aqui afirma a necessidade das boas obras, ali a rejeita: E esta fé proteiforme, esta doutrina de camaleão, que varia com as circunstâncias de lugar e de tempo, poderá ser para o cristão o apoio inconcusso de suas convicções religiosas, a norma de sua fé, o asilo seguro de sua consciência atribulada nas incertezas, nos trabalhos e nos sofrimentos da vida? Ah! Como se compreendem os desabafos confidenciais desta almas aflitas! "Que infelicidade a nossa, dizia um protestante ao conselho da chancelaria de Laeyser, que desespero o nosso, pobres habitantes do campo, ao ouvirmos as blasfêmias que se dizem contra a nossa santa religião! Na nossa desventura já
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(*) - ESTE EXEMPLO JAMAIS ENCONTRARÃO NA IGREJA CATÓLICA: Postado em 07/04/2010 at 15:15 por Mantenedor da Fé - Silas Malafaia contra Silas Malafaia. - Como pode uma pessoa mudar tanto quanto mudou o Pr. Silas Malafaia? Se olharmos e ouvirmos os antigos sermões proferidos por este homem e compararmos com as afirmações atuais chega a parecer que não pode ser a mesma pessoa. Silas Malafaia se rendeu a Teologia da Prosperidade. Ele hoje prega tudo que sempre condenou. 2ºPedro 2:1-3 E TAMBÉM houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição. E muitos seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade. E por avareza farão de vós negócio com palavras fingidas; sobre os quais já de largo tempo não será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita. Veja este vídeo:

http://www.youtube.com/watch?v=vIqlgON1Sn4&feature=player_embedded


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não sabemos a quem prestar fé, em quem pôr as nossa esperanças! Nossos próprio ministros perderam todo o direito à nossa confiança: uma é a sua linguagem nos púlpitos, outra, nas rodas sociais, onde nos tratam como imbecis a quem faltam as forças para suportar a verdade".31 Fatos análogos poderiam citar-se facilmente em bardas. Referirei um só. A uma missão pregada pelo pr DAMEN S. J. em Brooklyn assistiam vários protestantes. Terminada a conferência, um deles, natural de Virgínia, bom presbiteriano, foi ter com o ministro e pediu-lhe a explicação de uma passo da Escritura. Quando o pastor lhe expôs, insistiu: "Está absolutamente certo que este e o sentido do texto? Outros protestantes lhe dão um significado diverso". "Ah! Meu caro amigo, tornou o pastor, nós nunca podemos estar certos de nossa fé!". "Se é assim, passe bem! Não posso estar certo da minha fé na igreja protestante? Vou aonde possa encontrar esta certeza! E fez-se católico.

É pois provável. Não podendo fiar-se do ministro, cada crente, segundo a doutrina protestante, deverá formar o próprio credo, interpretando individualmente a Bíblia. Quem não sabe ler não pode ser cristão.

Vamos mais além. Suponhamos superados todos estes obstáculos. A humanidade inteira, graças à Reforma, sabe ler. Graças às sociedades bíblicas inglesas e norte-americanas todos os homens aí estão com a sua Bíblia sob o braço. Está resolvida a questão? Não ainda; agora é que começam as dificuldades mais sérias.

A Bíblia é uma coleção de 72 livros escritos originariamente em hebraico e grego por autores antiquíssimos que viveram num espaço de 15 séculos. Nela se encontram todos os estilos e gêneros literários desde a história até o poesia, épica ou dramática, lírica ou didática, desde a simplicidade dos preceitos práticos até às alturas sublimes da mais remontada teologia. Tal é o livro de que cada homem deve extrair o seu credo e os seus mandamentos.


Antes, porém de chegar a estas conclusões dogmáticas e morais, cumpre-lhe resolver um sem número de dificuldades preliminares. Dificuldades linguísticas; sabe grego? Sabe hebraico? Se o não sabe, quem lhe assegura a fidelidade da versão que tem entre as mãos? Quantas vezes a tradução, não é, ainda involuntariamente,
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31. JACOBI. (protestante) Que dois-je croire et espérer pour le repos de mon âme? Zelle, 1791, pp. 22-3 Ap. AUG. NICOLAS, Études philophiques sur le christianisme, Paris, 1885, t. III, p. 243.

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À LUZ DA HISTÓRIA E DA RAZÃO - Pg. 228


uma traição do original?32 O "livreiro da mui excelente Majestade del-Rei" é o único fiador neste negócio em que ele joga a sua eternidade. Dificuldades críticas. Os livros atuais são íntegros? Não foram mutilados, interpolados, adulterados no curso de tantos séculos?33 Não cincaram os mil copistas que os trasladaram? Mão sacrílega não lhes profanou a pureza divina? - Esta dificuldade cresce de ponto na hipótese dos nossos adversários. De quem receberam os protestantes a Bíblia? - Da Igreja Católica. Antes que nascessem, quem foi por 15 séculos a depositária do livro divino? A Igreja Católica 34 Mas se a Igreja católica é uma Babilônia corrompida, um anticristo que tudo perverteu e adulterou na doutrina revelada, quem lhes assegura que não alterou também o livro inspirado? Se o depositário do precioso tesouro não é infalível e honesto, quem poderá fiar da integridade do depósito? Dificuldades gramaticais. Qual é o verdadeiro sentido de um texto, o seu sentido literal, e seu genuíno sentido teológico? Dificuldades exegética. Um texto não é isolado, é mister conhecer-lhe o contexto, é
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32. São os protestantes os primeiros a reconhecer a imperfeição das próprias Bíblias tiradas em vulgar. Pastores e bispos anglicanos escreveram volumes para mostrar os erros da versão inglesa do rei Jaime. Numa assembléia de minsitros reunida em S. Luiís, um presbiteriano sustentou a necessidade de rever a tradução atual que nçao contém menos, dizia ele, de trinta mil erros. Trinta mil erros! Já é alguma coisa num livro que deve servir de guia único e certo no caminho da salvação!

33. Um exemplo: cai nas mãos do leitor uma bíblia luterana. Lê na Epíst. aos Romanos que o homem é justificado só pelo fé (III, 28). E o pobrezinho que mui provavelmente ignora que aquele só não é do Espírito Santo, mas de LUTERO, formula o seu dogma; está escrito que basta a fé sem obras para me salvar. A outro simples operário impingem-lhe como inspirada uma bíblia de ZWINGLIO. Onde Cristo disse: "este é o meu corpo", o reformador suiço traduziu: isto significa o meu corpo. E o infeliz a concluir que Jesus Cristo não está realmente presente na Eucaristia!

O Dr. HARRISON, beneficiado protestante de Cantuária, dá também ele a sua edição da Bíblia, e, sem mais cerimônias, corta todos os trechos que se referem ao inferno. Eis o que valem as Bíblias protestantes!

34. Declarou-o sinceramente LUTERO: "Reconhecemos que no papismo existe a verdadeira escritura sagrada... Devemos confessar a verdade: no papismo encontra-se a palavra de Deus, a missão apostólica, o verdadeiro batismo, o verdadeiro sacramento do altar, as verdadeiras chaves para a remissão dos pecados, o verdadeiro catecismo... E quanto à sagrada escritura e ao púlpito é dos papistas que os tomamos; sem o papismo que saberíamos nós?" t. IV, p. 227 b. ed. de Wittemb., 1551.

Aqui o pastor brasileiro dá um quinau no grande patriarca: "O protestantismo do século XVI, diz ele, recebeu a Bíblia do protestantismo de todos os séculos" 425-4. A frase é de efeito. Evoca à imaginação as sombras erradias dos protestantes de todos os séculos (ficção poética!) que acodem pressurosos a entregar o livro sagrado ao pimpolho alemão recém-emancipado da tirania papal e herdeiro predestinado das desconhecidas glórias avitas. A história é mais prosaica, aferra o fato na sua singela realidade e deixa as figuras de retórica inflada aos poetas, a quem, dizem, tudo ousar é permitido. Ora, o fato é que FREI MARTINHO, quando, cansado de viver catolicamente, deixou o burel, levou consigo a Bíblia que encontrou no seu velho convento, onde certamente não a tinha escondido o "protestantismo de todos os séculos".


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À LUZ DA HISTÓRIA E DA RAZÃO - Pg. 229


mister ilustrá-lo com outros lugares paralelos. S. Paulo pode explicar Isaías, ou, em aparência contradizê-lo. Mais. Para endenter escritos tão antigos cumpre ainda conhecer os tempos, os lugares, os usos e costumes, o ambiente social, político e religioso de vários povos antigos. Não há fazer exegese sem aperceber-se de antemão de um vasto arsenal de história, geografia, etnografia, linguística, paleografia e arqueologia.. Mais ainda. Na escritura há verdades que se devem crer e preceitos que se devem praticar; há precrições locais e temporárias e prescrições perpétuas e universais. Tudo isto deve ser analisado, discutido, discriminado antes de se redigir um símbolo ou formular um código moral. Proceder doutra maneira fora precipitação prematura, imprudente, irracional. Antes de ter certeza absoluta de que o texto em que me estribo é autenticamente divino e indubitavelmente inspirado, não posso razoavelmente fundar nele uma fé divina, infalível, disposta e derramar o sangue pela firmeza de suas convicções. Ninguém arrisca imprudentemente a vida, ninguém joga desassisadamente a própria eternidade nas probabilidades de um tavez.

E pensar que todo este ingente trabalho intelectual deve ser feito por pobres operários, pela mulherzinha do povo, pelo lavrador dos campos! E pensar que só na virilidade começa a inteligência a amadurecer para o estudo de semelhantes questões e que, portanto, a infância e a juventude ficariam privadas do benefício da religião, entregues às angústias da dúvida ou às apatias da indiferença! Quem ousará crer da bondade divina que tivesse eriçado de tantas dificuldades o acesso ao Evangelho, às consolações sobrenaturias e divinas do Cristinismo? Não; a razão e o bom senso revoltam-se indignados contra a possibilidade de semelhante hipótese. A via escolhida pela Providênica para transmitir a religião entre os homens é mais plana, mais batida, mais consersável, é a via real por que se comunicam os ensinamentos intelectuais e sociais, indispensáveis à vida humana: a via da tradição, a via da autoridade. "L'homme est um être enseigné", disse LACORDAIRE. Nos outros domínios da nossa atividade, onde o erro não tem consequências eternas, a autoridade conserva a sua falibilidade humana. No domínio da fé, imposta em sua integridade sob pena de eterna condenação (qui non crediderit condemnabitur, Marc., XVI, 16), Deus promete a assistência de sua inerrância como garantia da conservação intangível de seus ensinamentos. À consciência humana impôs o Salvador o dever de ouvir os seus enviados como a ele em pessoa - qui vos audit me audit - mas transquiliza-a logo na sua

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fé empenhando a palavra divina como fiança que, até ao derradeiro dia, os sucessores dos seus apóstolos ensinarão sem mescla de erro tudo o que ele nos prescreveu: "ensinai aos povos tudo o que vos mandei, eu estarei convosco todos os dias até à consumação dos séculos".35
Tal é a majestosa harmonia do plano divino. Destarte leva-nos a razão à regra de fé católica e condena irremessivelmente o livro exame protestnate, não só como repugnante aos ensinamentos da Escritura e da antiguidade cristão, senão ainda como contrário às exigências mais elementares do senso comum e às idéias mais simples que formamos da justiça, da bondade, da misericórdia do nosso Pai que está nos céus.36
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35. MATTH., XXVIII, 20. A necessidade insubstituível de uma autoridade divina e a sua existência a refulgir brilhante na fronte da Igreja católica tem sido para muitos racionalistas cultos um motivo de conversão sincera. AUGUSTIN THIERRY assim escrevia ao P. GRATRY: "Je suis un rationaliste fatigué que mi soumets à l'autorité de l'Eglise. Je vois par l'histoire la necessité manisfeste d'une autorité divine et visible pour le developpementy de la vie du genre humain. Or, tout ce qui est en dehors du cristianisme ne compte pas. De plus tout de qui est dehors de l'Eglise catholique est sans autorité: toutes les sectes ne sont qu'oubli, mépris, négation. Donc l'Eglise catholique est l'autorité que je cherche et ja m'y soumets!. GRATRY, Connaisance de l'âme (8), Paris, 1920, t. I, Préface, p. XXXIV, nota.

36. KORCH TONNING, o célebre teólogo que já citamos várias vezes, sintetiza admiravelmente a insuficiência do princípio protestante nestes termos: "La Bible ne peut pas être le principe unique de connaissance religieuse. Sa nature même l'en empêche: aucun de ses textes na le prouve; plusieus s'y contretisent; aussi haut qu'on remonte, elle ne l'a jamais été, aussi loin qu'on aille, elle ne le será jamais. Il faut à coté et à la portée de tous, une garantie sûre de son origine, de sa pureté, de son authenticité, de la sûreté, de son texte dans l1ensemble et dans le d´tail, de la sûreté aussi de sa traduction, enfin de la rectitude de son interprétation. Sans cela notre principe biblique n1a pas plus de consistance qu'une phrase dans l'air". Le protestantisme contemporain, Ruine Constituitionelle, p. 16. Em outro volume: "Notre principe exclusif, "La Bible seule" ne vit que par la force de préjugés doctrinaires. Ou finirá par ouvrir les yeux. Ce qui nous appellous la parole de Dieu n'est trop souvent que ce que nous avons mis nous même dans la Bíble. Dans les affaires temporelles on n'a pas la naiveté de croire qu'une societé puisse subsister sur un code de lois, sans um pouvoir que interprete et juge". Le Prot. Contemp., Ruine Doctrinale, p. 16.



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