sábado, 3 de julho de 2010

A PROSPERIDADE DOS POVOS COMO CRITÉRIO RELIGIOSO - IRC/LCP III-I-1




A prosperidade material dos povos como Critério religioso.


SUMÁRIO - O argumento protestante. - Idéia da civilização de um povo.. - O critério protestante à luz da razão, da história e do evangelho. - Eficácia social do cristianismo. - Réplica e tréplica: um fato e sua interpretação.
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LIVRO III


 A IGREJA, A REFORMA E A CIVILIZAÇÃO


 Capítulo I


A IGREJA, A REFORMA E A GRANDEZA ECONÔMICA E POLÍTICA DAS NAÇÕES

§ 1. - A prosperidade material dos povos como Critério religioso.

SUMÁRIO - O argumento protestante. - Idéia da civilização de um povo.. - O critério protestante à luz da razão, da história e do evangelho. - Eficácia social do cristianismo. - Réplica e tréplica: um fato e sua interpretação. 


A religião católica é a verdade cristã na inteireza da sua unidade indivisível, no esplendor de toda a sua beleza, em toda a eficácia de sua influência civilizadora. A heresia protestante é cristianismo mutilado, degenerado, desarticulado na admirável estrutura dos seus dogmas e contaminado na pureza ilibada de sua moral. Princípio de vida, o catolicismo salva e eleva os povos. Germe de discórdia e de corrupção, o protestantismo trava as sociedades no seu movimento de progresso e civilização cristã. É a consequênica espontânea da eficácia natural da verdade e do erro na evolução da humanidade. Aqui, como sempre, a história põe o selo irrecusável da confirmação dos fatos às conclusões teóricas da filosofia social.

Da dissolução do império romano, gangrenado até à medula pelo paganismo, e da rudeza bárbara das hordas invasoras, que a começar do século IV irromperam do Norte e do Oriente e retalharam a herança de Augusto, a Igreja com o esforço regenerador de uma perseverança multissecular tirou estas obras-primas da civilização que foram as grandes nações cristãs da Europa moderna. Ali saneou a corrupção, aqui abrandou a fereza, por toda a parte instruiu, educou,


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humanizou, cristianizou. Na ordem política, CARLOS MAGNO e SÃO LUIZ, na ordem literária, CORNEILLE, RACINE, FÉNELON, BOSSUET, DANTE, TASSO, PETRARCA, na ordem filosófica, AGOSTINHO, TOMÁS D'AQUINO, SUAREZ, na ordem artística, MURILO, VELASQUEZ, FRA ANGÉLICO, MIGUEL ÂNGELO, RAFAEL, na ordem moral FRANCISCO DE ASSIS, VICENTE DE PAULO, encarnam aos olhos do observador extasiado a influência multiforme de sua ação ação civilizadora. Cristãos e católicos todos, santos muitos deles, esses grandes gênios que, no vigor da inteligência ou na força da realização estética, em nada cedem aos maiores da antiguidade pagã e do muito se lhes avantajam na elevação do ideal, impriram em todas as suas obras o cunho indelével da inspiração cristã. Nunca a realidade se aproximou tanto do ideal humano.

Surgiu a reforma, e, com ela, a desordem, o furor, a intolerância, o ódio, a depravação geral dos costumes. A unidade cristã foi dilacerada, a Europa religiosamente dividida. Durante mais de um século, o movimento ascendente da civilização nos países reformados foi como que tolhido por uma paralisia geral. Mais tarde, por um esforço de reação inerente à natureza humana contra todos os excessos e abusos da liberdade, por uma influência, incônscia talvez, mas nem por isso menos verdadeira das idéias católicas, o nível moral das nações protestantes, sem atingir as alturas de outrora, elevou-se de muito acima das desordens que desonraram o berço da Reforma, enquanto um complexo feliz de causas geográficas e políticas lhes favorecia admiravelmente o desenvolvimento enconômico.

No século XIX as raças ango-saxônicas tomaram decididamente o passo sobre os povos latinos, na expanção comercial e na influência política. Inconstrastável na sua generalidade, o fato subministrou logo aos adversário do catolicismo - protestantes e livres pensadores - uma nova arma de combate. Entoaram-se em todas as solfas hinos de louvor ao progresso dos povos protestantes; deplorou-se a degeneração das nações católicas votadas pelo seu apego às tradições da Igreja à irremediável decadência. Às raças latinas, socialmente impotentes e estéreis, deu-se o lúgubre epitáfio de "raças mortas".

Já em 1854 NAPOLIÃO ROUSSEL publicava em 2 volumes uma obra intitulada: Nações católicas e nações protestantes comparadas sob o tríplice aspecto da prosperidade, da cultura e da moralidade.1
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1. NAPOLEON ROUSSEL. Les nations catholiques et les nations protestantes comparées sous le triple rapport du bien être, des lumières e de la moralité, Paris, 1854, 2 vols. in 8.



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A argumentação do pastor cifra-se num paralelo entre as modernas nações que se dizem protestantes e as chamadas católicas. Considerai, diz ele em suma, de uma lado a Alemanha, a Inglaterra, os Estados Unidos, de outro a Espanha, a Áustria e Portugal.


Que expansão social nas primeiras, que comércio, que indústria, que bem-estar, que progresso! Nas outras, que estagnação, que esterilidade, que impotência econômica e política!

Donde desigualdade tão frisante? Outra causa não há senão o protestantismo de umas e o catolicismo de outras. Daí a conclusão última: nas doutrinas reformadas está o segredo da prosperidade dos povos; a fidelidade aos ensinamentos da Igreja católica é, para as nações, germe de decadência e de morte.

O resultado da guerra franco-prussiano, exaltando o poderio militar e a influência política da Prússia com detrimento e humilhação da França católica veio tornar mais tentador o argumento. Não lhe resistiu às seduções o economista belga EMÍLIO LAVELEYE. Em 1875 publicou na Revue de Belgique um artigo intitulado: De l'avenir des pouples catholiques; étude d'économie sociale. Uma segunda edição ampliada veio à luz em Paris em 1899.2

Nestes últimos tempos, o argumento tornou-se lugar comum em certas rodas intelectuais. Não o poderia passar em silêncio o nosso gramático polemista que se esforçou por acumular, nas páginas do seu trabalho, quanto se tem dito e escrito contra a Igreja católica. Como em outros pontos, porém, assim também neste assunto, nenhuma novidade, nenhuma originalidade, nenhum fruto de estudo pessoal. Sem conhecer as poderosas investigações históricas da ciência moderna, sem se preocupar, como de costume, com as respostas exaurientes dos escritores católicos, C. PEREIRA limita-se a repetir e sumariar a tese do "sapientíssimo professor de Liège", p. 125, o qual por sua vez, calando a fonte, havia tomado de empréstimo os seus paralelos ao velho ROUSSEL.3
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2. O artigo foi publicado em opúsculo separado de 32 págs. no mesmo ano de 1875, Paris, Germer-Baillière.

A resposta não se fez esperar. Deu-a um compatriota de LAVELEYE, o Barão de HAUL-LEVILLE, De l'avenir des pouples catholiques, 1876. Após longo silêncio, o êxito da guerra hispano-americana pareceu ao impenitente professor de Liège, senão um novo argumento, ao menos uma oportunidade para tirar à luz uma 2ª edição do seu opúsculo, com o título ampliado: De l'avenir des pouples catholiques avec les opinions de Gladstone, Michelet, Quinet, Sismondi, d'Huist, et quelques autres écrivains, Paris, Fischbacher, 1809, in 16.ª, p. 108.

3. Aliás este gênero de argumento não é de invenção dos protestante. Os pagãos já os haviam precedido de mais de mil anos. No século V, o mundo romano foi devastado por inúmeras calamidades. Os bárbaros invadiam o império; ALARICO (408-410) tomava



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Não nos cingiremos a responder-lhe as duas ou três dificuldades. Alargaremos a esfera do debate e quanto nos permitem as estreitezas desse trabalho, abraçaremos o problema em toda a sua amplitude. O vulgarizado e especioso da objeção estão a exigir de nós este estudo sério e imparcial.

Qual o verdadeiro conceito de prosperidade e civilização de um povo? Até que ponto e em que medida essa prosperidade pode servir de padrão ou critério para avaliar, com justeza, a verdade de uma religião e, nomeadamente, do cristinismo? São duas questões que se apresentam expontaneamente no limiar do nosso estudo e que importa resolver com clareza sob pena de nos perdermos num labirinto de equívocos e paralogismos.

Civilização e progresso são desses nomes modernos que, a poder de repetidos, entraram no domínio geral de publicistas, oradores e tribunos demagogos de todas as cores e matizes. Encontrá-los-eis na pena e nos lábios de todos. Saídos do domínio da ciência, restrito, pela natureza das coisas, a um número relativamente pequeno de iniciados, irromperam no campo imenso da imprensa, do teatro, do romance, da praça. Ganharam assim em popularidade o que perderam em exatidão. No vago e ambíguo de sua generalidade encontraram o segredo da sua eficácia emotiva sobre as turbas indoutas, tornando-se destarte o veículo dos mais grosseiros sofismas. Para o ateu naturalista, progresso é sinônimo de emancipação de toda a idéia religiosa: para o evolucionista, vale quanto a vitória na luta pela existência com a eliminação dos fracos e sobrevivência dos fortes; para o socialista revolucionário, significa o sonho social do futuro baseado no destruição do estado presente de coisas. Uma Rússia bolchevista é o paraíso terrestre por eles plantado no horizonte de suas esperanças.

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e incendiava-lhes a capital, a grande civilização caia em pedaços. E Roma era cristá! E o império se havia convertido em grande parte à religião da cruz! A objeção surgiu logo nos lábios do infiéis: "Outrora quando no Capitólio se sacrificava a Júpiter, Roma era a força, o poder, a vitória, a glória. Hoje, quando os nossos templos estão fechados e a lei não permite senão os sacrifícios dos cristãos, desprotegidos dos deuses que desamparamos, caímos na desonra, na escravidão e na morte". O argumento tinha muito de especioso para os espíritos superficiais: merecia uma refutação séria. O gênio AGOSTINHO, em plena controvérsia pelagiana, não hesitou em consagrar-lhe as horas livres de treze anos de estudos. Em 326 saiu-lhe da pena A cidade de Deus, o grande tratado de filosofia da história, onde satisfaz a todas as questões que então atormentavam as inteligências. (Consulte-se principalmente o cap. 24 do livro 22). No De quantitate animae c. XXXIII, n. 72, volta o santo doutor ao mesmo assunto. Neste passo depois de enumerar as grandes conquistas da civilização material, conclui: "Magna haec e omnino humana. Sed est adhuc partim dotis atque indoctis, partim bonis ac mais animis copia communis". Leiam-no os protestantes e na humilhante companhia dos pagãos veja pulverizados todos os seus sofismas pelo maior gênio do cristianismo antigo.

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Cumpre, portanto, restituir a estes termos proteiformes o sentido preciso que lhes deu o cristianismo. Importa, antes de tudo, determinar a noção exata de civilização humana, de progresso cristão.

O Estado é para o homem, não o homem para o Estado. A sociedade não é fim, é meio. Na sua dignidade inauferível de pessoa, o ser racional tem um fim próprio, individual e inalienável. O objetivo de sua vida é a expansão da atividade física, intelectual, moral e religiosa em cujo exercício se consusbstancia a sua felicidade terrena, que prepara, como aurora, os explendores meridianos da bem-aventurança eterna. A vida social é o grande meio imposto pela natureza a esta expansão harmônica da personalidade humana na variedade multiforme dos seus aspectos. Proporcionar, portanto, aos seus membros a oportunidade de desenvolver organicamente todas as suas virtualidades - eis o escopo da sociedade, o alvo a que deve mirar o esforço coletivo do progresso civilizador.

No homem, porém, individualmente considerado, há uma jerarquia essencial de faculdades que importa respeitar. As exigências do espírito sobrelevam em importância e dignidade às satisfações do corpo. Os interesses imóveis da eternidade prevalecem sobre as preocupações transitórias do tempo. A vida intelectual transcende a vida física: a ambas sobranceia a vida moral e religiosa. Rompei este equilíbrio: degradastes o homem. O gladiador de inteligência raquítica e enfezada, de sentimentos morais e religiosos atrofiados é, nas suas formas agigantadas, nos seus músculos de aço, mais um animal de forma humana, que homem em elevação de espírito, sem delicadeza de sentimentos, a exaltação da força bruta é uma excrescência teralógica. "A vida humana é uma harmonia. Cada elemento, por mais precioso em si, não tem valor relativamente ao todo se não permanece no seu lugar, dominando o que deve dominar mas também subordinando-se ao que lhe é superior".4

Ora, destinada por sua essência não a subverter mas a desenvolver a natureza, a sociedade deve, antes de tudo, acatar esta subordinação essencial das faculdades humanas. Acima da economia política, os interesses da inteligência; primando ao desenvolvimento das forças intelectuais, a expansão da vida moral e religiosa.

Vistas à luz desta verdade, a florescência da agricultura, do comércio e da indústria, a extensão, rapidez e comodidade das vias de
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4. SERTILLANGES, De l'Eglise(3), II, p. 145, Paris, Lecoffre, 1919.



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comunicação, o poderio dos exércitos e a eficiência das armadas, representam apenas o primeiro e mais baixo estádio da civilização. Se, pari passu, não o acompanham os progressos do espírito, tendes uma sociedade forte, rica, lutadora, uma sociedade pagã, como Atenas ou Roma; não formastes ainda uma sociedade plenamente humana, uma sociedade cristã, uma sociedade feliz.5 Se, pelo contrário, no seio de uma mediocridade material lograstes elevar o espírito e educar o coração de uma povo, não atingistes ainda a perfeição do ideal, mas conseguistes realizar o mais importante dos fatores da sua felicidade. Assim, nas ruínas físicas de um orgnaismo minado pela enfermidade pode arder a chama do gênio e brilhar a auréola da santidade com a paz inefável de suas profundas consolações.

Podemos, pois distinguir na civilização, como na personalidasde humana, um elemento material e um elemento espiritual, o corpo e a alma da civilização. As mesmas leis que regem a atividade individual na expansão de suas forças, regulam, outrossim, a atividade social no seu desenvolvimento orgânico. Aqui, como lá, vigoram a lei do progresso que comunica o impulso a todas as forças vitais: a lei da dependência transcendental que sobrepõe os interesses espirituais e eternos às solicitudes materiais e efêmeras: a lei da harmonia que respeita a subordinação hierárquica das faculdades na reciprocidade das suas influências. Dentro das linhas intransponíveis traçadas por essas normas absolutas, pode avançar com segurança e liberdade o grande movimento do progresso. Sem as destruir, as circunstâncias de tempo, de raça, clima e situação geográfica, assinaladas pelo Providência à vida de cada povo, virão imprimir-lhe a feição própria e característica de sua individualidade social. É assim que nos quadros imensos da história da humanidade proderemos encontrar aquela variedade harmônica de moldes de civilização e reproduzir, de algum modo, no mundo das sociedades, a infinita diversidade de tipos que, nos limites de uma mesma natureza essencialmente imutável, realizam os indivíduos humanos.

Concluamos. Sociedade ideal seria aquela que pudesse proporcionar à totalidade dos seus membros uma justa abundância de
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5. Prova experimental deste asserto temos nesta agitação que abala as sociedades modernas. Desenvolveu-se febrilmente a civilização material, mas não se estimulou com igual solicitude o progresso moral e religioso: Os povos não são felizes. "Plus l'humanité voit se multiplier les moyens dont elle dispose pour se rendre l'éxistence agréable, plus elle se convaine de l'impossibilité de surmonter, de cette manieère, l'ancoisse de la vie et d'atteindre au bonheur ou même au contetement". HARTMANN, La Religion de l'avenir(2), Paris, 1877, c. VIII, p. 138.



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todos os recursos necessários ao desenvolvimento individual e específico de suas aptidões físicas, intelectuais e morais. Ideal inatingível, mas que nos oferece a inestimável vantagem de um critério seguro para avaliar o grau de civilização de um povo; ideal que servirá de padrão fixo por onde aferir a verdadeira grandeza das nacionalidades. Uma sociedade será tanto mais próspera e feliz quanto maior for o número de indivíduos a que estender os seus benefícios e mais variados e eficazes os meios que lhe subministrar ao desenvolvimento humano de sua vida material e espiritual.

A importante diferença que acabamos de estabelecer entre a civilização material e conômica e a civilização espiritual e humana aplana-nos o caminho para resolver a segunda questão preliminar que nos propusemos: até que ponto o progresso de um povo pode servir de critério à verdade de suas crenças religiosas.

Objeto principal da religião e, falemos logo concretamente, objeto principal do cristianismo não é satisfazer às aspirações terrenas de ambição humana, mas estabelecer as relações entre a criatura e o Criador unir o homem a Deus pela graça que santifica, elevá-lo das preocupações terrenas às grandezas futuras da eternidade. À pureza dos costumes, à elevação dos afetos religiosos é que se estende a esfera natural de sua influência direta.

Iluminar-nos a inteligência com a luz das verdades reveladas que devem servir de norma à nossa atividade moral; fortificar-nos a vontade na luta contra as revoltas das paixões e os apetites desregrados da concupiscência de uma natureza originariamente viciada pelo pecado, eis o fim da religião ensinada por Cristo e por ele confiada à sua Igreja. Fora desta atmosfera superior onde se desenmvolve a vida moral e religiosa do cristão, a influência da Igreja é profunda, poderosa, eficaz, mas indireta. É mediante o influxo nas idéias e nos costumes que ela atinge todos os outros ramos da atividade humana.
O cristão, fiel à prática dos seus deveres, será honesto, justo, casto, caridoso, compassivo, magnânimo. Com o cortejo de todas estas virtudes será necessariamente modelo de operário, de patrão, de administrador, de juiz, de chefe de estado. E a sociedade inteira, o círculo imenso das relações econômicas, industriais e políticas, beneficiará da eficácia benfazeja da ação religiosa.

Cumpre, porém, não esquecer nunca que esta influência por mais certa, íntima e universal, não deixa de permanecer indireta. Outros são os fatores que atual diretamente na prosperidade econômica dos



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povos. A situação geográfica, a fertilidade do solo, a salubridade do clima, as riquezas mineralógicas, as qualidades etnológicas do povo, o seu desenvolvimento científico, a concorrência dos êmulos, a facilidade das comunicações, a marcha complexiva da economia mundial, são as causas diretas, que, subtraídas à influência da religião, atuam imediatamente na prosperidade dos povos. Sem o concurso destes fatores, fora baldado qualquer esforço para elevar o edifício da grandeza econômica de um povo. A natureza os distribui com a libedade dos seus caprichos, a história os modifica com a contingência das suas variações, a religião os desenvolve e dirige na fecundidade de sua ação maravilhosa, mas não os poderá nunca suprir. Os gelos das zonas polares ou as areias adustas do Saara não verão jamais fervilhar na imensidade deserta de suas brancas planícies o enxame ativo e laborioso de uma povo florescente.

Como a prosperidade econômica, tão pouco pode a influência política de uma nacionalidade servir de estalão por onde aferir a verdade de suas doutrinas religiosas. Uma e outra dependem do jogo das causas naturais. Um erro de deplomacia, uma aliança infeliz, o desastre de um batalha podem acarretar a queda de poderio político de um povo. A catástrofe de uma grande guerra pode envolver nas desgraças do infortúnio comum uma Alemanha protestante, uma Áustria católica, uma Bulgária cismática e uma Turquia muçulmana. Quem poderia prever qual teria sido o estado político do equilíbrio europeu no último quartel do século XIX se outra fora a sorte das armas em Sadowa e Sedan? Dirá alguém que os desacertos de um general, a eficiência detruidora dos explosivos ou o número das carabinas são função deste ou daquele credo religioso?

Não obstante a evidência rudimentar destas considerações, é justamente na grandeza terrena e na posperidade econômica das nações agro-saxônicas no século XIX que os protestantes vão buscar os seus argumentos em pró da prosperidade da Reforma. E o que é mais de maravilhar é que desta "invencível objeção" se servem não só os representantes do baixo clero mas até os mitrados cultos do episcopado anglicano.. "Vejamos, dizia há alguns anos o bispo de Sador, como Deus abençoou a Inglaterra desde que abraçou os princípio da Reforma e como continua a abençoá-la na medida de sua fidelidade a esses princípios. Há 350 anos, os nossos cofres estavam vazios, a nossa terra devastada pela guerra das Rosas; não tínhamos comércio nem colônias. Hoje é glória nossa que o



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sol não se põe no império britânico. Deus derramou sobre a nossa pátria toda a sorte de suas bênçãos".6

Formidando argumento! Arcas cheias e arcas vazias! Quem poderá pôr em dúvida que o catolicismo com os seus cofres despejados não valha o protestantismo com as suas burras abarrotadas de esterlinas!

O livro de NAPOLEÃO ROUSSEL, não nos oferece menos ridículos exemplos desta lógica inexpugnável. Estamos na Irlanda, numa paróquia de 4.000 almas. Quereis saber o que valem estes 4.000 católicos? Juntos possuem um arado, um carro, 18 ancinhos, 8 selas para homens, 3 para mulheres, 7 talheres, 93 cadeiras, 243 tamboretes, 23 gansos, 3 peruas, 2 colchões, 8 cestos, 8 candeeiros de cobre, 3 relógios de algibeira, 1 escola e um padre. Chapéus, relógios de parede, botas, beterrabas e cenouras são coisas que não existem. "Passemos agora o canal e depois de haver visto as misérias da católica Irlanda consideremos o bem-estar da reformada Escócia". - É decisivo! À vista daquele cadastro de hospital, quem não conclui que a religião de povo que não tem botas nem cenouras e que só possui 23 gansos, 2 peruas é necessariamente falsa!

Mas sigamos o Sr. ROUSSEL na sua instrutiva viagem. Chegamos a Suíça. Estamos num cantão católico. A primeira palavra que nos irrompe dos lábios: "Que imundície! Que fisionomias pálidas, macilentas, esverdeadas!" Evidentemente, o catolicismo descora as faces mais rosadas. Continuando a excursão entramos em Flül. "Esta localidade católica apresenta-nos logo uns 4 escrofulosos, 6 leprosos e uma meia dúzia de infelizes maltrapilhos, que pareciam ir à cata da sepultura". Está dito: ser católico é ter disposição para a lepra.

Mas desviemos o olhar amargurado destas cenas de misérias.

Vamos descansar a vista e... refocilar o estômago num cantão protestante. "Que cultura, que abundância, que indústria, exclama radioso e triunfante, o nosso NAPOLEÃO. Zurique, com os seus lindos arredores [obra certamento do protestantismo] afigurou-se-me como a sede da sabedoria, da temperança, do bem-estar, e da felicidade... Entremos numa casa de campo.


A dona da casa oferece-nos logo leite e queijo e põe-nos à mesa nove ou dez grandes colheres de
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 6. The Record, 22 Fev. 1805, p. 184.









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prata". Como hesitar ainda! Quem tem nove ou dez talheres de prata é necessariamente o homem ou a mulher mais feliz deste mundo. Sua religião não pode deixar de ser verdadeira.

Todo o livro do Sr. NAPOLIÃO ROUSSEL é afinado neste tom. Que maravilha se os homens sensatos o acolheram com risos e chacotas? Ouvi a crítica espirituosa do insuspeito LEMOINE: "Nous avions ouvert ce livre avec le désir d'en dire tout le bien que nous pourrions; mais avec la meilleure volonté du monde, il nous est impossible de le considérer ni comme um bon livre, ni comme une bonne action. L'auteur est, nous n'en faison aucun doute, un homme honnête et honorable; e pourtant, avec des intentions que nous voulons croire excellentes, il a fait une oeuvre dont le dernier mot est le materialisme le plus cruel, le plus insensible, le plus désésperant. En verité, si un ministre de l'Evangile n'a qu'une morale comme celle-lá à présenter au monde, si, protestant ou catholique, quel qu'il soit, il n'a point d'autre conclusion à tirer de l'histoire, alors il ne reste plus aux hommes qu'à se bien nourrir, à ce bien porter et à faire bien leurs affaires: les plus riches seront toujours les plus vertueux. Cette lecture serre le coeur: elle indignerait et elle révolterait, si l'auteur n'était, nous en sommes convaincu, un homme digne de respect...

"NAP. ROUSSEL démontre, à grands renforts de chiffres, que les protestants sont infinement plus heureux en ce monde que les catholiques; qu'ils ont plus de rentes, plus d'actions industrielles, plus de couverts d'argent, plus de chemises et plus des bottes. Jusq'à present nous avions cru qu'au jour du jugement dernier, Dieu mettrait d'un coté les bons et de l'autre les méchants. Mais dans le système de M. Roussel l'humanité est partagée en deux catégories: celle de gens gras et celle des gens maigres. Dieu ne sondra plus les reins et les coeurs, mais les estomacs. Si M. Roussel permettrait à S. Pierre de garder l'entrée du paradis, certainement il lui donnerait pour consigne, comme aux Tuileries, de ne laisser passer que des gens bien portants e bien vétus; dans sa théologie, pou être sauvé, une mise décente est de rigueur".7

 E o Sr. CARLOS PEREIRA? Não são menos interessantes as suas provas de superioridade incontestável do protestantismo. Ele não teve, como o Sr. ROUSSEL, a ventura de saborear os queijos protestantes da Suíça, nem de extasiar-se ante os reflexos da baixela de prata
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7. JOHN LEMOINE, no Journal des Débats, 12 sep. 1854, 3.ª pág. Apud YVES DE LA BRIÈRE, Études, 1905, t. 101, p. 634. Ver quase todo o artigo transcrito por HAULLEVILLE. De l'avenir des peuples catholiques, c. III.



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nas casinhas de campo das pitorescas cercanias de Zurique. Mas a leitura do artigo The Christian Church da Enciclopédia Britânica não llhe ministrou menos valiosos subsídios para uma demonstração cabal. Fala agora a eloquência irresistível das estatísticas. Quem pode fazer face a uma carga cerrada de algarismos?

Calculai a área total do mundo, dividi-a entre as nações agrupadas por seus credos religiosos. Quereis ver o resultado?As nações protestantes acupam 35% da área de nosso planeta; os católicos 28%. O restante pertence a gregos ortodoxos e a pagãos.Evidentemente o catolicismo é inferior ao protestantismo. Eu tomo a área total da África, comparo-a com a da minúscula Bégica. Como não hei de inferir daí que o tetchismo das tribos hotentotes sobreleva ao credo religioso dos heróicos súditos do rei Alberto?

A segunda estatística é da população. Em 1700 eram 90 milhões os católicos e 32 milhões os protestantes; em 1900 os católicos são 242 milhões e os protestantes 500 milhões!8 Que diferença esmagadora! Ponde de um lado 400 ou 500 milhões de chins, de outro, 25 ou 30 milhões de brasileiros e vereis como Cristo desaparece diante de Confúcio.

Não vos basta ainda: considerai a difusão das línguas. Como se espalharam as línguas ango-saxônicas! O inglês e o alemão (com o russo), falados em 1800 respectivamente por 20 e 60 milhões de seres humanos são em 1890 garganteados por 111 e 150 milhões de glotes, enquanto o francês e o espanhol passam apenas de 31 e 28 a 51 e 42 milhões.A consequência é sempre a

mesma. A inegável superioridade das raças protestantes é tão clara como a do shintoísmo japonês sobre o cristianismo polaco. São mais numerosos os que falam a língua do nipões que o idioma de Sobieski. - E por que não comparou a difusão do espanhol com a do holandês ou a do italiano com a do sueco?
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8. Por agravo de culpa, todas as estatísticas do Sr. CARLOS PEREIRA são falseadas. Não me demorarei em demonstrá-lo. Qualquer estudantinho de geografia, com o axílio do seu compêncio de escola, poderá fazer a verificação. Mas não posso deixar de relevear este número de protestantes: 500 milhões!!! Onde os achou o diligente gramático? Esqueceu, porventura, que duas páginas antes havia escrito: "Deverá atingir 200 milhões a população protestante do mundo"? p. 133. Ou quererá , talvez, com aquela elevada cifra, indicar o número dos que vivem sob o governo protestante: Mas , nem assim é exata. E, nesse caso por que não fazer o mesmo com os católicos que, de fato, contando somente os que se professam tais, excedem os 200 ou 300 milhões de hindus, pagãos, que gemem sob o jugo britânico? Que provam esses 200 ou 300 milhões de infelizes que em mais de um século de dominação, a Inglaterra soube subjugar e explorar mas não soube humanizar nem cristianizar?



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E o Sr. PEREIRA de concluir triunfante: Bastam estes dados estatísticos para contrastar o atrofiamento sucessivo dos povos que vivem sob o cetro papal, e o vigor e a pujança crescente dos que obedecem livremente ao influxo vital da Bíblia aberta", p. 136. Infelizes católicos que fecharam a Bíblia!

Parece incrível como entre polemistas que se inculcam por homens sérios, tanta voga hajam conseguido semelhantes infantilidades. Cono seria acolhido o crítico que propusesse o peso do papel como craveira para comparação das obras intelectuais?

Mas não é só a razão com a evidência de suas demonstrações, como deixamos apontado, mas a história inteira que se insurge contra o valor da prosperidade econômica e da influência política de uma raça, elevado a critério de suas crenças religiosas. Façamos-lhe três ou quatro aplicações históricas, e o absurdo das consequências fará ressaltar a inanidade dos princípios.

Quereis concluir a excelência da astrolatria e do culto de Isis e de Osiris sobre o monoteísmo? Ascendei a 1300 anos antesda nossa era, e comparai a Palestina com o Egito. Na terra dos Faraós que florescência comercial e científica, artística e literária! Sistema duodecimal de pesos e medidas, metalurgia do ouro e da prata, arquitetura que elevou as pirâmides, astronomia, geometria, poderio político, tudo florescia nas margens ubertosas do Nilo. A esta civilização, cujas ruínas deslumbram o nosso século, que pôde opor no campo da prosperidade terrena a humilde descendência de Isarel?

 Avançai alguns séculos, e par provar a superioridade do politeísmo vulgart sobre o judaísmo mosaico, ponde, frente a frente, o império de Augusto e o reino de Judá. O império romano foi a mais forte e poderosa organização que ainda construiram mãos de homem. Durante séculos, o mundo civilizado foi romano. Da cidade eterna irradiavam estas vias admiráveis de comunicação que iam ter às extrimidades da terra. O seu Senado legislava para o mundo. À sobra de sua slegiões descansavam províncias que eram reinos. O mavioso idioma do Lácio era falado por todos os homens cultos. Em doloroso contraste, o reino dos Macabeus, sem artes, sem indústria, sem influência política, chorava, sob as garras das águias de RToma, a perda irreparável de sua independência. Quereis inferir daí que o culto de Júpiter tonante sobrelevava em verdade e elevação moral à religião de Javé?

Se vos apraz instituir o paralelo num mesmo povo entre diversas fases da sua evolução social, comparai a Grécia de PÉRICLES com a dos nossos dias. Que nção pode ufanar-se de um passado mais glorioso?



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Não foi a Hélade a pátria da filosofia, da ciência, da história e das artes? SÓCRATES, PLATÃO e ARISTÓTELES, EUCLIDES, ARQUIMEDES e HIPÓCRATES, FÍDIAS, PRAXÍTELES e APELES, TUCÍDIDES, SÓFOCLES EURÍPEDES, DEMÓSTENES, não rasgaram nos domínios da verdade e do belo ideal, novos e amplíssimos horizontes à humanidade? Diante destes gigantes, são pigmeus os filhos da Grécia moderna, desta Grécia que faz consistir quase toda a sua cultura em desenterrar e classificar nos museus as relíquias gloriosas da sua civilização passada. Aplicai o critério protestante, e chegareis à conclusão de que à religião atual da Grécia é preferível o antigo Olimpo, povoado de deuses e de deusas que, se aparecessem em forma humana no meio das sociedades modernas, iriam, sem exceção, acabar irremissivelmente numa cela das nossas penitenciárias.

Apresso-me a chegar ao século X e XI para demonstrar a-la protestante, a supremacia do Islã sobre o cristianismo, o primado do Corão sobre o Evangelho. Em nenhuma época da sua história atravessaram os povos cristãos crise tão aguda. Enquanto o cisma de Fócio e das discórdias das guerras civis agitavam e dilaceravam a cristandade, a civilização árabe medrava com rapidez maravilhosa. As costas da África e da Ásia Menor, a Espanha, onde outrora florescia a religião da cruz, caíam subjugadas pela cimitarra muçulmana que ameaçava a Itália e a Europa inteira. À expansão política e militar respondia a cultura intelectual e artística. Os árabes abriam escolas, fundavam bibliotecas, comentavam ARISTÓTELES, cultivavam a aritmética, a álgebra, a geometria e geografia e a medicina, construíram Córdova, Granada e Sevilha. Por um momento - que durou dois séculos - o gênio ardente da raça, a embriaguez da vitória, os ardores de uma imaginação vivaz, os impulsos infefiníveis da glória que triunfa, prevaleceram sobre as consequências deletérias dos princípios de depravação e de morte que incubavam no seio do islamismo. Nunca se pôde falar com mais propriedade da marcha ascendente das nações árabes e da decadência progressiva do povos cristãos.

Mais outra aplicação que desta vez nos permitirá assentar a superioridade do catolicismo sobre o protestantismo. Estamos no século XVII, poucos anos antes da paz de Westfália. Qual era então o estado das nações protestantes? Inglaterra convulsionada pelo revoluções religiosas e políticas que levavam CARLOS I ao cadafalso; Alemanha reduzida a um montão de ruínas fumegantes sobre as quais fervia ainda o sangue derramado em 30 anos de guerra civil implacável. E as nações católicas? Passavam entre si o cetro da primazia.



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No século XVI, Portugal descobrindo a Índia e o Brasil, Espanha colonizando a América e dominando a Europa com CARLOS VI e FILIPE II, atingiam o apogeu do seu esplendor. Mais tarde, no século seguinte, quando nas mãos menos hábeis dos sucessores destes dois grande monarcas, o facho do prestígio espanhol entrava a empalidecer, tomou-o a França, dobrou-lhe de intensidade o brilho e produziu o século de LUIZ XIV.


Mas, basta de apreciações históricas. O leitor poderá multiplicá-las à vontade. Apressemo-nos em tirar-lhes a conclusão. O critério protestante é de uma elasticidade maravilhosa. Basta deslocá-lo no tempo para demonstrar sucessivamente a verdade de todas as doutrinas e profissões religiosas desde o catolicismo até ao paganismo. O que equivale a evidenciar-lhe a falsidade. Em boa lógica, consequências falsas não podem derivar de premissas verdadeiras. Quando, pois, se concedesse a preeminência atual, econômica e política das nações protestantes, nenhuma inferência se poderia deduzir deste fato em favor do conteúdo doutrinal e religioso da Reforma.9

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Demos um passo adiante. Ouvimos a filosofia e a história, consultemos agora a fé. Falou-nos a razão na evidência de suas provas, confirmaram-na os fatos na linguagem irresistível da realidade que se impõe; demos a palavra ao Evangelho na simplicidade divina de sua verdade infalível.

À luz dos ensinamentos de Cristo, que valor tem o critério da prosperidade terrena como prova da verdade do cristianismo genuíno?

Abro o livro inspirado e leio: "Meu reino não é deste mundo. - Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro com detrimento de sua alma? - Não acumuleis tesouros na terra. - Quem quiser ser meu discípulo, renegue a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me".

Todo o ensinamento de Cristo só visa um alvo: desapegar o homem dos bens perecedouros da terra e elevá-lo aos grandes pensamentos da eternidade. Santidade, justiça, paz interior, felicidade no céu, promete-as Cristo, em mil lugares, aos seus discípulos. Bens
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9. "Pela maior riqueza dos seus sequzes, não é possível demonstrasr a verdade de uma religião. Onde judeus e protestnates exercem, lado a lado, a sua atividade, os judeus quase sempre levam a palma. NMinguém inferirá deste fato a verdade da religião de Isarel". H. PÉSCH, Nationalekohomie, Freibug i. B., 1909, t. II, p. 720.


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terrenos, prosperidade material, nunca. Só num passo do Evangelho encontro esta promessa. É de Cristo? Não; é do tentador que mostrando a Jesus todos os reinos do mundo e a sua glória, lhe diz: tudo isto te darei se, dobrando o joelho em terra, me adorares. Math., IV, 9.

Envia Jesus os seus discípulos à conquista espiritual do mundo e que lhes diz? Não lhes dá certamente o conselho daquele estadista francês falando aos deputados: enrichissez-vous. Tão pouco lhes manda construir estradas de ferro, fundar bibliotecas, abrir universidades e institutos técnicos, expandir o comércio, aperfeiçoar a agricultura, desenvolver a indústria. Não; o que lhes diz é: pregai penitência, anunciai o reino de Deus.




E como entendem os Apóstolos a missão do Mestre? Ouvi a S. Pedro: Senhor, deixamos tudo para vos seguir. S. Paulo, que nas suas excursões apostólicas vira os esplendores de Éfeso, Atenas e Roma, para si não quer senão o necessário à subsistência, aos seus discípulos não deseja senão a paz interior, a caridade de Deus e a graça de Jesus Cristo.

Que diriam os primitivos cristãos educados nesta escola, como se escandalizariam as legiões de mártires que renunciaram aos bens mais preciosos da terra para conservar os infinitos tesouros da graça ao ouvir um bispo anglicano apelar para as libras esterlinas e colônias da sua Inglaterra como sigilo infalível da verdade cristã?




Não fariam mal em ler com atenção o Novo Testamento estes polemistas que trazem a cada passo nos lábios a Bíblia e recriminam aos católicos de a fecharem. Não fariam mal em meditar as bem-aventuranças evangélicas: Bem-aventurados os pobres em espírito, bem-aventurados os que choram, bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, bem-aventurados os que sofrem perseguições pela justiça, etc. Mas, parece que dizem os protestantes nas suas apologéticas como o médico de MOLIÈRE: "nous avons changé tout cela".

Outras são as beatitudes de Reforma "evangélica": bem-aventurados os governos cujos cofres estão abarrotados de ouro, bem-aventuradas as famílias que possuem colheres de prata, bem-aventurados os povos cuja bandeira cobre muitos milhões de quilômetros quadrados.

Que o argumento tirado de prosperidade terrena das nações se encontre manejado contra a Igreja católica pela pena de um materialista, de um ateu, ou de qualquer outro desses numerosos adversários neopagãos, quorum Deus venter est e cuja vista não se eleva um palmo acima da terra, não se justifica, mas entende-se. Vê-lo, porém,


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arvorado em bandeira de combate, por um escritor protestante, por uma inteligência que se diz cristã, é lamentável, é inefavelmente doloroso. Doloroso, sobretudo, porque revela uma alma metalizada, uma ideia material e mesquinha do cristianismo, um conceito mercantil da religião. Cristo teria vindo fundar uma como sociedade anônima para levantar o crédito e a influência política das nações. Dá pingues e rendosos dividendos? É boa. Dá défices? Não presta; dissolva-se. É o critério grosseiro do selvagem que mede a grandeza do homem pelo vigor e elasticidade dos seus músculos.
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Mal raciocinara quem, do que levamos dito, inferisse que o catolicismo é hostil à grandeza material dos povos. Com o mesmo ardor de convicção profunda com que rejeitamos o critério protestante, vindicamos para a Igreja católica, a glória de ser, em paridade de condições naturais, um agente poderosamente eficaz da verdaeira prosperidade ainda terrena das nações. "A Igreja, diz o grande Leão XIII, obra imortal do Deus misericordioso, ainda que por sua natureza mire diretamente a salvação das almas e a felicidade eterna no céu, oferece todavia na ordem temporal, tantas e tão preciosas vantagens, que mais e maiores não as poderia proporcionar, se diretamente e acima de tudo fora destinada a desenvolver a prosperidade da vida presente"19

Com efeito, Deus é o autor da sociedade civil como é da natureza humana. Deus é quem lhe determina na felicidade temporal o seu fim próximo. Como admitir, pois, que, abraçando a verdadeira religião, os povos deveriam sacrificar a sua razão de ser social e sofrer necessariamente uma decadência econômica e política? Tal antinomia entre a ordem natural e a sobrenatural não é concebível na sabedoria dos planos da providência. "Se o cristianismo é a verdadeira
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10. Encícl. Immortale Dei, 1885. O grande papa consagra aqui com a chancela da sua autoridade, o pensamento de MONTESQUIEU: "Chose admirable! La religion Crítienne, qui ne sembe avoir d'autre object que la félicité de lautre vie, fait encore notre vonheur dans celle-ci. Esprit des lois, I. 24, c. 3. Sobre o mesmo pensamento volta Pio XI na sua memorável encíclica Ubi arcano Dei: Quamquam enim, ea [Ecclesia] divino iussu, recta spiritualibus nec perituris bonis intendit, tamen ut omnia sunt apta inter se ac nexe cohaerent, prosperitati etiam, terrenae tum singulorum hominum tum ipsius humanae societatis sic favet ut plus favere minime posset, si iisdem omnino provehendis instituta esse videretur.


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doutrina religiosa, é, outrossim a verdadeira doutrina social, a doutrina civilizadora por excelência". A proposição de LAFORÊT tem evidência de um axioma. A confirmá-lo aí estão, de mãos dadas, a filosofia e a história.

A filosofia. Examinai, um por um, os grandes princípios sociais ensinados pela Igreja católica, de cuja ação fecunda germinou a moderna civilização, filha do cristianismo, em antítese com a civilização pagã. Quem aboliu a escravidão e pregou a igualdade e fraternidade humana? Quem, ensinando a nossa origem divina e a grandeza dos nossos destinos elevou mais alto o valor da personalidade humana? Quem reabilitou o trabalho manual e declarou guerra sem quartel ao ócio, pai de todos os vícios? Quem impôs a todos, como dever indeclinável, a grande lei do trabalho, não só para ganhar o pão cotidiano senão ainda para ser útil a seus irmãos e merecer o céu? Quem fundou a sociedade em seus verdadeiros alicerces, inculcando de um lado, aos súditos, como dever de consciência, a obediência e fidelidade às autoridades legítimas, ensinando, do outro, aos príncipes e soberanos que o poder não lhes foi por Deus concedido para vantagem pessoal, senão para defesa do direito e da inocência, para utilidade e seviço público? Quem defendeu sempre a propriedade contra as utopias subversivas do comunismo?Quem lhe estabeleceu o genuíno conceito contra as ambições açambarcadoras do capitalismo, apontando no proprietário menos um senhor absoluto do que um adminsitrador posto por Deus, não só para usufruir os seus bens mas para fazê-los frutíficar em pró dos seus irmãos e em benefício da socidade? Quem protegeu a santidade da família contra a corrupção pagã, as dicórdias do divórcio e as ignomínias do amor livre? Quem pregou com mais eloquência a justiça, a probidade, a sinceridade, a paciência, a tolerância no infortúnio, a moderação nas riquezas, a caridade em todas as suas formas? A Igreja Católica. O protestantismo impugnou alguns destes pribcípios fundamentais. esterilizou a fecundidade de outros e os que ainda conserva não são seus, recebeu-os da mãe divina que repudiou no delírio da sua revolta.

Ora, são essas normas encarnadas nas leis e nos costumes que vivificam os povos e os guiam à properidade e à grandeza. O protestantismo e sua filha primogênita, a Revolução, semearam outras idéias e outros ideais. Foram ventos que haviam de desencadear tempestades. Estas tempestades nós as contemplamos com os nossos olhos. E hoje, em meio às procelas que convulsionam as nações, são ainda estes grandes princípios sociais ensinados e inculcados


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pelo catolicismo que brilham no horizonte das sociedades como farol de esperança e iris do futuro.

E a história? Muito antes de aparecer o protestantismo no cenário da vida dos povos, já a Igreja católica havia dado as mais explêndidas provas de sua eficácia civilizadora. Foi ela quem instruiu e educou a Europa. Ela, quem das hordas bárbaras que golpearam o império romano nos últimos anos de sua decrepitude,11 plasmou as nacionalidades modernas, e, depois de um esforço multissecular, as viu antes da Reforma, elevar-se a um grau de prosperidade terrena, que, considerada a diversidade de tempos, não teme o confronto dos povos mais florescentes dos nossos dias.

Vede as repúblicas italianas.


Florença nos últimos séculos da idade média já era célebre por suas manufaturas. Sob os Médicis tocava no século XV o apogeu do desenvolvimento. Seus bancos dominavam as finanças da Europa. Neles levantavam os príncipes os seus empréstimos. EDUARDO III da Inglaterra pediu-lhe meio milhão para custear a guerra contra a França. Seus operários reunidos em corporação já haviam resolvido o problema da liberdade do trabalho contra as opressões do capitalismo. No seio desta prosperidade econômica floresciam as ciências e as artes. DANTE, o divino poeta, BOCCACIO, o prosador clássico, CIMABUE, LIPPI, ANDRÉ DEL SARTO, mestres da pintura, CELLINI, o escultor delicado, GUICCIARDINI, historiador, AMÉRICO VESPUCCI, o audaz navegante, eram florentinos.


Veneza, pelo bem posto de sua situação geográfica, expandiu de preferência o seu comércio por via marítima, tonando-se uma potência naval de primeira ordem. No século XIV possuía uma frota mercantil de 3.000 navios e uma esquadra de guerra de 40 unidade, tripuladas por 11.000 homens. Anualmente zarpavam do seu ancoradouro imensas armadas que se faziam na volta da Armênia, do Mar Negro e do Egito. Espanha, França e Flandres recebiam também por via do mar os seus produtos e contracambiavam-nos
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11. "C'est l'église chrétienne [leia-se católica, a única que existia em face da barbárie ivasora] qui a sauvé le christianesme; c'est l'Eglise avec ses intructions, ses magistrats, son pouvoir, qui s'est defendue vigoureusemente contre la dissolution intérirure de l'Empire contre la babarie, qui a conquis les barbares, qui est devenue le bien, le moyen, le principe de civilisation entre le monde romain et le monde barbare". GUIZOT (protestante) Histoire de la civilisation em Europe, Paris, 1873, 2.e leçon, p. 511. Cfr. 5e. e 6e. leçon, pp. 123-189; e 3e. leçon, p. 83. LETTRÉ: "Le grand agent du salut social aux V, VI e VII siècle fut l'Eglise". Cfr. Etudes, 1868, p. 86: Les études historiques d'un positiviste ou moyen-âge.


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enviando as próprias mercadorias. Estradas terrestres levavam os artigos venezianos a Viena, Hamburgo e às cidades ribeirinhas do Reno. A república dos doges era o grande império comercial do Meio-Dia. Com as cruzadas ofereceu-lhe o ensejo de grande expansão colonial. Em 1204, Constantinopla caía em seu poder. Mais tarde, a Moréia, o Épíro, Creta, Cipro e outras ilhas do arquipélago viram flutuar nas suas cidades os estandartes da Raínha do Adriático. Ao seu seio afluíam, por inúmeras artérias comerciais, as imensas riquezas do Levante, da Ásia Menor, da Arábia, das costas de todo o Mediterrâneo e das Índias. No século XV contavam-se mais de mil proprietários cujas rendas oscilavam entre 4 a 79 mil ducados, numa época em que com 3 mil ducados se construía um palácio real.

Gênova, no Tirreno tornou-se com o tempo uma rival poderosa de sua irmã do Adriático. Depois das cruzadas obteve preciosos privilégios comerciais. A Sicília, a África do Norte, as costas meridionais da França, a Alemanha, a Flandres, a Grécia, o Levante, a Ásia Menor estavam em contínuo intercâmbio de produtos com a ativa república da Ligúria.

Milão começou a prosperar depois da batalha de Legnano (1176). Sua posição nas férteis e risonhas planícies do Pó, orientava-lhe nbaturalmente o desenvolvimento para a agricultura e asmanufaturas. Como em Florença, os artistas faziam-lhe prosperar a indústria com suas corporações independentes e laboriosas. Sob os VISCONTI (1395-1447) e o SFORZA (1450-1535) a capital lombarda era ainda uma cidade rica, industrial e poderosa; nem perdeu de todo a sua prosperidade sob o domínio espanhol (até 1714) e austríaco.

Do surto econômico de Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Alemanha, antes do advento da Reforma, trataremos mais adiante.

Em presença destes fatos a ninguém assiste o direito de acusar a Igreja de paralisar o progresso material dos povos ou de pôr obstáculos e remoras ao surto econômico das nações que vivem à sua sombra.

- Assim foi, parece-me ouvir aqui um protestante renitente, assim foi em antigas eras quando só a Igreja senhoreava o campo religioso da cristandade. Mas depois que catolicismo e protestantismo se defrontaram na mesma arena, o curso dos fatos enveredou por outro caminho. A marcha ascendente das nações que abraçaram


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os novos princípios da Reforma e a decadência progressiva das que permaneceram fiéis ao catolicismo demonstram, com a ineficácia social deste último, a superioridade incontestável do protestantismo.

A instância, como se vê, supõe um fato e dá-lhe uma interpretação. Um fato: a superioridade das nações protestantes. Sua interpretação: esta superioridade é devida, como à causa primeira, à ação fecunda do protestantismo ao campo social. Submetamos o fato a um exame verificador e a intgerpretação a uma crítica elucidativa.

É bem conhecida a história do dente de ouro narrada por FONTENELLE. "Em 1598 circulara o boato que, na Silésia, a um menino de 7 anos, a quem haviam caído os dentes de leite, nascera um de ouro no lugar dos molares. HORTIUS, professor de medicina na universidade de Helmstad, em 1595 escreveu-lhe a história, opinando ser ele em parte natural, em parte milagrosa: Deus enviara este dente para consolar os cristãos molestados pelos turcos. Que consolação! Que relação entre um dente de ouro e os cristãos e ainda os turcos! No mesmo tempo, RULLANDUS compunha nova história do prodigioso dente. Passados dois anos, outro sábio, INGLOSTETERUS insurgiu-se contra as opiniões de RULLANDUS. Este replica-lhe com grande cópia de doutrina e erudição. Terceiro grande homem, LIBAVIUS, recolhe ainda quanto sobre o assunto se havia já escrito, e, naturalmente acrescenta seu modo de ver individual. A tamanhas obras e de tanta ponderação só faltava uma coisa: que o dente fosse de ouro. Consultado o ourives, verificou-se que se tratava apenas de uma folha metálica habilmente aplicada ao dente. Começaram por escrever livros e depois consultaram o ourives".12

Não estaríamos também nós em presença de um dente de ouro assim? A superioridade econômica das nações protestantes é um fato verdadeiro e universal? Mas quem ousaria pô-lo em dúvida? Considerai a Alemanha, a Inglaterra e os Estudos Unidos; ponde-lhe em confronto a Espanha, Portugal ou México. Hesitais ainda? Hesito. São aquelas as únicas nações protestantes e estas a únicas católicas? Não há aqui uma seleção arbitrária? Baralhai outra vez as cartas e distruí os naipes. Tomai Franca, Itália e Bélgica, colocai-lhes ao lado Dinamarca, Suécia e Noruega. Agora os trunfos estão conosco e a partida ganha. Se, de fato, o protestantismo
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12. Cit por Blilsot, Mesmer, le magnétisme aninal, pl. 189-91


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é a causa da grandeza dos povos, onde quer que atue sem peias produzirá necessariamente o seu efeito natural. E que nações mais protestantes que as escandinavas? Se o catolicismo é germe de morte, por que algumas nações católicas marcham na vanguarda dos povos cultos?

Antes, pois, de buscar as causas do fato cumpre demonstrar-lhe a universalidade. A proposição fundamental do argumento devera basear-se numa indução completa de um e outro lado. Só depois de assentar em alicerces indiscutíveis a superioridade de todas as nações protestantes e a inferioridade de todas as nações católicas é que se poderia, não digo concluir, mas ventilar a questão da causa desta diferença. Digo ventilar a questão e não concluir a tese, porque poderia muito bem dar-se a conjuntura de um momento histórico em que as mesmas causas naturais que promoveram o progresso das nações protestantes, empeceram o desenvolvimento das católicas. O fato seria então verdadeiro, mas a conclusão falsa. Estaríamos em bace do conhecido sofisma: post hoc, ergo propter hoc.

Outra observação. Chamam-se protestantes os Estados Unidos, a Alemanha e a Inglaterra; católicas a França, a Itália, Espanha e Portugal. É possível, sem muitas ressalvas, fazer, hoje, no ponto de vista religioso, esta divisão rigorosa? É possível traçar estas linhas geométricas e separar os povos segundo a sua religião, como se separam as casas, num tabuleiro de xadrez? Não o cremos. Na atmosfera espiritual em que respiram as sociedades modernas, de envolta com o oxigênio da verdade que vivifica as inteligências, acham-se em suspensão os germes de mil erros, emanações deletérias de quantos sistemas subversivos tem produzido a filosofia transviada dos últimos séculos. Impossível tentar uma discriminação exata de tantas e tão encontradas influências.

A coexistência de cidadãos pertencentes a diversos credos religiosos num mesmo país torna ainda mais complicada a solução do problema. Na Grã-Bretanha os católicos são cerca de 7 milhões e representam quase um quinto da população total. Nos estados Unidos, segundo as últimas estatísticas, vivem cerca de 23 milhões de católicos. Dos 110 milhões da população total, 60 se declaram sem religião alguma. Entre os que se dão como aderentes de alguma confissão religiosa há, além dos católicos, cerca de 2 milhões de judeus e 20 a 22 milhões de protestantes, fragmentados em centenas de seitas doutrinariamente opostas, e sem outro vínculo de união além do ódio comum à Igreja católica. A influência religioso-social destas ingrejinhas não poderá deixar de ser diminuída, combatendo-se


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e neutralizando-se reciprocamente as doutrinas contrárias. Em coerência e unidade de princípios e em número de fiéis, nenhuma protestante pode compare-se com os católicos. Já em 1910 o notava, entre nós, RUI BARBOSA: "O princípio das igrejas livres no Estado livre tem duas hermenêuticas distintas e opostas: a francesa e a americana. Esta, sinceramente liberal, não se assusta com a expansão do catolicismo, a mais numerosa hoje de todas as confissões nos Estado Unidos que nele vêm um dos grandes fatores de sua cultura e da sua estabilidade social".13 

Na Alemanha é ainda mais elevada a percentagem católica. Mais de um terço (exatamente 36,06%)14 dos súditos alemães professam o catolicismo. Não só a Baviera mas as florentíssimas províncias renanas da Prússia são, em quase sua totalidade, fiéis à Igreja. Os católicos formam no Reichstag o partido mais notável. Por que injustiça, pois lançar todo o pregresso destes povos a crédito do protestantismo, eliminando sistematicamente a grande contribuição da parte católica? As nações em que domina quase incontrastada a Reforma - países escandinavos - não são precisamente as que marcham na dianteira da civilização européia.

Maiores restrições impõe-se ainda em se tratando das chamadas nações católicas. Quem ignora a violência das paixões hostis à Igreja que há mais de um século se apoderaram dos governos das nações latinas? Quem não sabe que revolução, livre-pensamento, maçonaria, protestantismo, finança judaica constituem hoje nestes países uma aliança poderosa de influências anticatólicas? A começar da revolução francesa, estes povos, que, sob a tutela da Igreja católica, haviam atingido o apogeu de sua grandeza econômica e política, entraram a persegui-la, a desvirtuá-la. Todo o século XIX está cheio deste lamentável dissídio entre a Igreja e o Estado. Desterrar a Deus e a sua Igreja das leis, das instituições, das escolas, dos exércitos, dos hospitais, dos tribunais, de todas as relações da vida civil e política, parece ter sido o rumo norteador de seus govenantes. Que muito tenham decaído: O contrário, sim, é que fora para maravavilhar. Não se nos fale, pois sem muitas reservas do catolicismo destes povos.
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13. RUI BARBOSA, Plataforma de 1910, § 6. O Estado e os cultos.

14. Estes dados como os seguintes se referem ao estado anterior à guerra. A agitação presente da Europa não nos permite fundar nenhum argumento sobre estatísticas recentes, que, aliás, nem sempre se encontram, nem são necessárias ao nosso intento.


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A Igreja arrastada nos seus bispos e sacerdotes à barra dos tribunais, peada na liberdade de seus movimentos, manietada no exercício de sua atividade civilizadora, não pode de modo algum responder pelo colapso que tomou a alguma destas nações. No frenesi do delírio, elas rejeitaram ou amaldiçoaram a mais benfazeja que as elevara tão alto e que nas convulsões das grandes crises que atravessavam lhe oferecia ainda a medicina de infalível eficácia regeneradora. A sua decadência política foi um castigo da apostasia oficial de seus governos. "É evidente que Itália, França, Espanha e Portugal só deixaram de ocupar os primeiro lugares entre as nações quando perderam o espírito católico. Foi nos séculos de fé que a Espanha conquistou o Novo Mundo e as Filipinas; Portugal, as Índias e o Brasil; França, o Canadá. Hoje, de envolta com o espírito católico, perderam estes povos o sentimento da autoridade, da autoridade religiosa, da autoridade política, da autoridade civil, da autoridade doméstica e esta perda seria a causa única da sua decadência".16

O fato, portanto, que devia servir de base à argumentação protestante vacila na sua existência; falece-lhe universalidade, falece-lhe o exclusivismo das influências religiosas absolutamente necessário para o fundamento lógico de uma interpretação plausível em abono do protestantismo.

Resta, porém, uma verdade: a grandeza atual de algumas nações em sua maioria protestantes e a estagnação, ou, se quiserem, a decadência de algumas nações, em grande parte de sua população ainda católicas. Fora, com efeito, pueril fechar os olhos ante a grande prosperidade material da Alemanha ou da Inglaterra e a inferioridade relativa de certas nações católicas.

Qual, porém, a significação deste fato? Supõe ele, porventura, no protestantismo uma força vital a cuja ação profunda devem os povos germânicos e agro-saxônicos a florescência de sua prosperidade presente? Prova talvez no catolicismo a existência de um princípio paralizador e asfixiante a cuja influência mortífera devem algumas nações católicas a sua prostração atual?

É o que nos resta a examinar. Cumpre-nos ora inquirir as causas verdadeiras deste duplo fato social parta dar-lhe a genuína e racional interpretação.
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15 . MOIGNO, Splendor da la Foi, t. IV(5), Paris, 1883, p. 690.

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