domingo, 23 de maio de 2010

INFALIBILIDADE DO PAPA - IRC/LCP I-III-3


INFALIBILIDADE DO PAPA - Pg. 151 (Continuação)




Livro I 

A Igreja Católica


Capítulo III - MAGISTÉRIO INFALÍVEL

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§ 3. - Infalibilidade do Papa
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SUMÁRIO - Um dogma desfigurado. - Noção da infalibilidade. - Objeções fúteis. - A infalibilidade na consciência da Igreja. - Definição do Concílio Vaticano. - Acusações protestantes: o concílio não foi ecumênico; - não foi livre. - Conclusão: a infalibilidade no Evangelho.


'A Igreja, já o demonstramos, é infalível. Ao lado do patrimônio da verdade revelada que se deve transmitir inviolável às gerações humanas, Deus constituiu-a sentinela vigilante e incorrputível. Os impérios sucedem-se nas invitáveis vicissitudes da história, as

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teorias nascem, vicejam e caducam, os sistemas filosóficos entrechocam-se no embate das contradições; aos destroços do naufrágio de todas estas isntituições humanas sobrenada vitoriosa a verdade divina infalivelmente guardada pela Esposa Imaculada de Cristo.

Onde, porém, reside esta infalibilidade? Qual o seu órgão autêntico? A razão iluminada pela fé responde: passivamente, em toda a Igreja que recebe e crê as verdades que lhe são propostas; ativamente, no seu chefe, no Pastor supremo, no Pontífice romano, sucessor daquele a quem Cristo confiou a missão de confirmar os seus irmãos na fé. Assim palpita em todo o corpo a vida, mas é a alma que lhe infunde e conserva. Assim, vibram na terra a luz e o calor, mas é o sol quem lhos irradia em ondas vivificantes.

O Papa é, pois, infalível. Poucos dogmas católicos foram, como este, falseados, deturpados, malsinados pela crítica míope e malévola de incrédulos, liberais e protestantes. Quando em 1870 o Concílio Vaticano definiu a infalibilidade pontifícia, todos estes inimigos da Igreja mancomunarm os seus esforços numa vasta conjuração de intrigas, calúnias e insultos soezes. Literatos e políticos, folhetinistas e jornalistas de todos os matizes improvisaram-se em teólogos e, ante o público dos dois mundos, com a competência que era de esperar, discutiram, impugnaram e ridicularizaram o dogma católico. A enxurrada passou e as águas clarearam com o tempo. Dissiparam-se as névoas adensadas pela ignorância ou pela má fé e a verdade reluziu em todo o brilho de seu natural esplendor. O católicos estreitaram os vínculos da unidade na submissão obsequiosa ao Pai comum. Os ímpios viram, pouco a pouco, despontados todos os dardos que o sofisma e o ódio haviam afiado no ardor de uma luta cega e apaixonada.

Que dolorosa impressão não nos veio, portanto, causar a diatribe do Sr. CARLOS PEREIRA contra a infalibilidade do Papa! Escrever em 1920 como em 1870 escrevia JANUS n'"O Papa e o Concílio"; mendigar cediços argumentos nos jornais protestantes e liberais de há 50 anos é mui mesquinha e mui miserável polêmica. Se além destas armas velhas, enferrujadas e inócuas al não possuía o seu arsenal de polemista bem pudera o gramático brasileiro passar silenciosamente sobre o assunto. Se lhe não acudiu à inventiva nenhum paralogismo novo, melhor fizera em nos forrar ao espetáculo desta exposição de antigualhas de museu.

A velha e conhecida tática dos inimigos da infalibilidade consiste em desfigurar escandalosamente o dogma católico e depois


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cantar fácil vitória sobre o fantástico adversário. Recheiam ao sabor de sua imaginação um manequim monstruoso, põem-lhe na fronte o letreiro "infalibilidade papal" e 

depois arremetem valorosamente a estocadas contra o temeroso espectro. Mutilam-no, dilaceram-no, esfanicam-no; e quando do inerme fantoche já não resta senão farrapos, levantam mão da luta, descansam da heróica empresa para logo cingirem satisfeitos a fronte com os louros do grande tiunfo. É uma consolação como qualquer outra.

Contra semelhantes adversários não há senão começar por expor o verdadeiro caráter da infalibilidade. Se lhes resta um tudo-nada de amor sincero da verdade, reconhecerão facilmente a inanidade de todas estas objeções que se lhes afiguram invencíveis e que são apenas filhas de uma ignorância muito atrasada.

Ponhamos diante dos olhos a definição do Concílio Vaticano; é o documento oficial em que a Igreja ensina autenticamente a sua doutrina: "Ensinamos e definimos ser dogma divinamente revelado que: O Pontífice Romano quando, desempenhando o cargo de Pastor e Doutor de todos os cristãos, com a sua suprema autoridade apostólica define que uma doutrina relativa à fé e aos costumes deve ser crida pela Igreja universal, em virtude da assistência divina que lhe foi prometida na pessoa de S. Pedro, goza da infalibilidade com o que o Divino Redentor dotou a sua Igreja ao definir as doutrinas de fé e costumes; e que, portanto, as definições do romano Pontífice são, por si, irreformáveis e não em virtude do consentimento da Igreja.28 Se alguém, o que não praza a Deus, ousar contradizer esta nossa definição, seja anátema".29
Cada palavra neste documento tem alto valor significativo. Tudo é pesado e meditado. Com rara felicidade de expressão e propriedade de termos, a grande assembléia condensou, precisou e ilustrou admiravelmente o dogma católico. Não faremos senão expender a luminosa definição conciliar.

Dela, antes de tudo, se infere a verdadeira noção da infalibilidade: privilégio sobrenatural, firmado na assistência divina prometida por Jesus Cristo ao Papa, de não errar todas as vezes que, falando livremente ex cathedra, como supremo Doutor da Igreja
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28. Esta última cláusula foi inserida contra o erro dos galicanos que admitiam a infalibilidade das definições pontificiais quando a elas se unia o consentimento da Igreja. Confundia a causa com o efeito. Não são infalíveis as decisões do Papa porque a elas adere a Igreja, mas a Igreja presta-lhes o seu assentimento porque são infalíveis.

29. Conc. Vat., sess.; IV, C. 4.


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universal define que esta ou aquela doutrina concernente à fé ou ao costumes pertence ao depósito das verdades reveladas.

Trata-se, pois, de um privilégio concedido não à pessoa particular do Papa, mas à sua função, ao seu cargo. Não é em proveito do homem, é um benefício da Igreja que o Papa é infalível. Na esfera de sua atividade particular, o Pontífice fica sujeito ao erro no campo intelectual e à pacabilidade no campo moral. Como homem, o Papa pode ser erudito como BENTO XIV, moralista como GREGÓRIO MAGNO, eloquente como PIO IX. O teólogo, o escritor, o pregador são tão falíveis com a tiara como sem ela. JOÃO XXII condenou como Papa o que sobre a visão beatífica houvera sustentado como teólogo particular. GREGÓRIO XI, no seu testamento, reprova quanto de errôneo ou contrário à ortodoxia houvera podido afirmar nos seus ensinmanetos privados. Para que seja infalível é necessário que o Papa proceda como Papa, no exercício atual de sua função de chefe supremo da cristandade.

Basta? Ainda não. São múltiplas as funções do Papado. O Papa é também administrador, é rei temporal, político ou diplomata. A nenhuma destas funções é anexo o privilégio de infalibilidade. O soberano pode cometer erros administrativos e as suas vistas políticas podem não ser as mais profundas e oportunas.

No exercício de todas estas atribuições, os fiéis lhe devem a submissão, a reverência, o repeito que exige a sua suprema dignidade. Fora orgulhosa temeridade que um simples soldado perdido na turba dos combatentes se arvorasse em juíz dos atos do general que vê do alto e abraça, no seu plano, o conjunto das operações militares. Mas, repito, estas decisões pontifícias não obrigam ao ato de fé.30
O que no Papa é infalível é o doutor, e ainda só o Doutor supremo que ensina à Igreja universal. Um breve dirigido a um particular, uma carta em que o Papa louva a obra de um autor não são ainda atos dessa natureza. É necessário que o sucessor de São Pedro suba à cátedra apostólica e declare expressa e pereptoriamente
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30. Ouvi os bispos suiços na sua pastoral coletiva de 1871, francamente aprovada por PIO IX: "O Papa não é infalível nem como homem, nem como sábio, nem como sacerdote, nem como bispo, nem como príncipe temporal, nem como juíz, nem como legislador. Não é infalível nem impecável na sua vida e procedimento, nas suas vistas políticas, nas sua relações do os príncipes, nem mesmo no governo da Igreja. É única e exclusimente infalível quado, como Doutor supremo da Igreja, pronuncia em matéria de fé ou de costumes uma decisão que deve ser aceitada e tido como obrigatória por todos os fiéis! O cardeal MANNING, na sua História do Concílio Vaticano fala do mesmo modo.


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que esta ou aquela verdade é revelada. Então, e só então, que é infalível. Ainda nas bulas dogmáticas ou nos documentos oficiais em que o Papa define uma doutrina, a infalibilidade não envolve todas as suas proposições. As considerações, que procedem a decisão dogmática, tudo o que a emoldura como introdução ou consequência não é ainda objeto de infalibilidade. Infalível é só a definição, isto é, a declaração solene, absoluta, irreformável de que uma doutrina relativa à fé ou aos costumes pertence ao depósito divino da revelação. A verdade assim definida exige da parte dos fiéis o ato de fé; rejeitá-la ou pô-la em dúvida é, ipso facto, sair da comunhão da Igreja, é cair na heresia (isto significa anathema sit). Eis o que quer dizer definir; quum definit, diz o Concílio Vaticano. Como se vê, uma definição dogmática é um ato público, raro solene, que interessa toda a Igreja e que por toda a Igreja deve ser clara, explícita e indubitavelmente conhecido. A sua fórmula há de ser de uma clareza meridiana que não possa deixar no espírito a menor sombra de dúvida. Imaginar a infalibilidade como um privilégio indeterminado e conduso de que o Papa pode usar a seu talante sem que a Igreja, por assim dizer, o saiba é desconhecer-lhe, de todo em todo, a natureza.

Depois de assim acuradamente determinar o órgão ou sujeito da infalibilidade, a definição conciliar, com igual perspicuidade, precisa-lhe o objeto. O privilégio de inerrância compreende só as questões relativas à fé e aos costumes: in doctrina de fide et moribus definienda. A margem deste campo ficam todas as disciplinas humanas; matemática ou ciências naturais, geografia ou história, literatura ou filosofia. Em todo este vastíssimo âmbito da atividade intelectual do homem, a Igreja não intervém senão em quanto a fé ou a moral se podem achar interessadas. Cristo delimitou o domínio do seu magistério: iluminar as almas na tendência para os seus destinos sobrenaturais, dirigir as consciência no exercício de sua atividade moral. A revelação na ordem especulativa e na ordem prática, a verdade e a santidade sobrenaturais - eis a órbita dos ensinamentos da Igreja. É o essencial para o homem; o mais abandonou-o Deus à curiosidade das inteligências, à flutuação das hipóteses, às disscussões da ciência. Aos investigadores da natureza que não estendem temerariamente os seus estudos além das suas raias naturais, aos sábios, que, nas diferentes províncias do saber humano, usam os métodos que lhes são próprios, a Igreja deixa plena liberdade de ação intelectual. No gabinete de suas meditações ou


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no laboratório de suas experiências, os homens de ciência nunca serão perturbados por uma definição pontifícia.

RESUMAMOS. O exercício da infalibilidade pontitícia está essencialmente condicionado por estas duas cláusulas: 1.º o Papa deve definir ex cathedra, no sentido que largamente deixamos explicado; 2.º O objeto da definição deve ser uma doutrina relativaà fé ou aos costumes.

À vista desta simples exposição do dogma católico autêntico caem por terra quase todas as dificuldades do Sr. C. PEREIRA.

No intuito de obscurecer a luz de uma evidência manifesta, multiplica o ilustre gramático interrogações que julga irrespondíveis. "Que significa ex cathedra? Quando deixa ele (o Papa) de ser pastor e doutor da cristandade inteira? Quais as questões que escapam à fé e à moral?... Por que sinais saberemos se o pontífice exerce o ofício de doutor? Por enunciar-se numa bula, num breve, numa aloucação, etc.?... Quando fixa o que em pontos de fé e costumes deve crer a Igreja toda: universa Ecclesia. Mas que vem a ser a Igreja toda?" p. 367-368. Parece-me ouvir um estudantinho de direito muito satisfeito de sua perspicácia, a pensar que enreda um velho professor: "Mas quando é que o Presidente da República fala como chefe de estado ou como homem particular? Por que sinais sabemos que ele exerce o ofício de supremo magistrado? Quando é que seus decretos se dirigem a todo o Brasil ou a a este ou àquele ministério? E que vem a ser o Brasil todo?" Mas tudo isto é pueril. Basta saber ler e entender os termos. Quando PIO IX definiu a Imaculada Conceição ninguém duvidou que se tratasse de uma definição dogmática. Ninguém; católicos e protestantes, crentes e incrédulos, o mundo inteiro soube com certeza que o Papa definia, que falava ex cathedra a toda a Igreja, que exercia o ofício supremo de Doutor numa questão de fé. E Por que? Por que lá estava tudo expresso com uma clareza que nenhum sofisma pode obscurar. "Auctoritade D. N. J. C... declaramus, pronuntiamus, definimus doctrinam, quae tenet... esse a Deo revelatam, atque ideirco ab omnibus firmiter constanterque credendam... " É claro? Quando o Concílio Vaticano definiu a infalibilidade do Papa quem duvidou que se tratava de um decisão dogmática? Os protestante, certamente, não. Os Católicos: Menos ainda. Veja, pois que não é uma "dúvida angustiosa, entre teólogos de quando é o Papa infalível", p. 366. Todo aquele exército de perguntas



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não mete medo a ninguém; só levanta poeira para desorientar os simples.

- Outra objeção fútil. A infalibilidade é a divinização do Papa. "Divinização sacrílega do bispo de Roma"., diz o nosso protestante, à p. 371. E à p´. 384: "Que significa uma proclamação senão a apoteose e a deificação do Papa?".31

O Sr. CARLOS PEREIRA antes de escrever o "estudo dogmático-histórico" esqueceu visivelmente toda a sua teologia. Deificação, por quê? A infalibilidade é um atributo exclusivamente divino? Sim, mas a infalibilidade absoluta, onímoda, imparticipada. Assim, também a inteligência, a vontade e a liberdade são atributos exclusivamente divinos. Dirá o Sr. C. PEREIRA que o homem é deus, porque possui inteligência que é atributo divino? Oporá, talvez, que a infalibilidade é incomunicável. Quem lho disse?



Na ordem natural, todos os homens são infalíveis acerca dos primeiros princípios. -

Ninguém erra a ponto de dizer que 1 + 1 = 3, que o todo é menos que cada uma de suas partes, que uma coisa pode ser e não ser no mesmo tempo. Aí está a infalibilidade natural, dom comum a todo o gênero humano. Assim o quis Deus, a fim de que os primeiros princípios, alicerce e fundamento de todas as construções científicas, não vacilassem nas flutuações da dúvida. Na ordem sobrenatural dispôs Cristo que o Pastor supremo de sua Igreja não errasse ao ensinar-nos a sua fé e moral a fim de que não caísse em ruína todo o edifício espiritual de nossa salvação.

A infalibilidade do Papa é, pois, limitada às questões religiosas, firmada na assistência do Espírito Santo, tênue participação da infinita infalibilidade de Deus. Ver nisto apoteose, deificação, divinização, é esquecer os rudimentos da teodicéia para deslumbrar os leitores com vocábulos ocos e altissonantes.

- Um parágrafo ou capítulo inteiro é consagrado pelo apologista protestante à "infalibilidade e a história". Seu intuito é convencer os leitores do "absurdo histórico da infalibilidade diante dos erros evidentes de muitíssimos papas na esfera vária de suas atribuições oficiais", p. 370. - É só de lamentar que nesta afanosa empresa tivesse o autor obliterado a noção da infalibilidade precisamente
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31. Do mesmo paralogismo já se servira LUTERO para afirmar que o homem não é livre. "O livre arbítrio é nome exclusivamente divino, que só à majestade de Deus se pode atribuir... Aplicá-lo aos homens, fora divinizá-los: não há sacrilégio maior". Weimar, XVIII, 636. O sofisma é tara hereditária na família protestante.



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como é ensinada pelo Igreja para arremeter contra um dogma imaginário. É a incurável pertinácia dos sectários: revolvem a vida particular dos papas, compulsam os seus livros ou escritos sem caráter oficial e quando acham ou julgam achar algum erro ou pecado, trazem-no à praça com a satisfação de Arquimedes: eureka, eureka.




Naturalmente todos os Padres do Concílio Vaticano, todos os teólogos e historiadores fiéis à Igreja ignoram "estes erros evidentes de muitíssimos papas" e continuam a crer na infalibilidade com tanta firmeza que por ela, como por qualquer outro artigo de fé, estariam dispostos a dar a própria vida. Que ignorância supina a destes trezentos e tantos milhões de católicos que constituem a maior e melhor parte do mundo civilizado e culto! Não obstante as luzes acesas por todos os faróis protestantes no roteiro da história, eles ainda continuam obstinados e cegos a naufragar no escolho da infalibilidade do Papa! Quem lhes há de abrir finalmente os olhos para ver o que toda a descendência de LUTERO enxerga com tanto clarividência? Um enxame "de erros evidentes de muitíssimos papas"? - É isto verossímil? A realidade, porém, é que os nossos adversários, nas suas objeções, não fazem senão concentrar os fogos em posições desamparadas. Os seus tiros nem sequer atingem os primeiro panos das muralhas da inexpugnável cidadela em que se defende o dogma católico.


Mostremo-lo em alguns exemplos (percorrer todos é impossível, qualquer manual de teologia poderá amplamente satisfazer o leitor curioso). Escolhamo-los entre os coligidos pelo Sr. C. PEREIRA na elaboração do "catálogo cronológico dos seus erros (dos bispos de Roma) e graves quedas" (!), p. 371.

O Papa Marcelino (296-303) para fugir às perseguição, tornou-se idólatra: entrou no templo de Vesta, fazendo ofertas a esta deusa", p. 371. - Queimar incenso é definir um dogma? MARCELINO ensinou, porventura "na esfera de suas atribuições oficiais" ser a idolatria verdade revelada que deve ser admitida por todos os cristãos? Dada por um instante a autenticidade do fato, estaríamos em presença de um pecado pessoal de um Papa. Mas um gramático não deveria confundir infalibilidade com impecabilidade. A infalibilidade imuniza a inteligência contra o erro, a impecabilidade preserva a vontade da culpa. O Papa é infalível, não impecável. Como o mais humilde pároco de aldeia, como o mínimo dos fiéis, ele se ajoelha aos pés do confessor para receber a absolvição



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de suas faltas. Todos os dias, antes de subir ao altar, também o Pontífice percute o peito, repetindo: Peccavi... mea culpa. - Mas no caso presente nem o substratum histórico da objeção subsiste. A apostasia de MARCELINO é uma das tantas fábulas inventadas pelos donatistas contra os católicos. Um "estudo dogmático-histórico" não deveria dar acolhida a semelhantes lendas! Primeiro tiro que erra o alvo.

- "O Papa Libério professou o arianismo", p. 471. Outra falsidade histórica. LIBÉRIO provavelmente não subscreveu nenhuma fórmula e se alguma assinou foi a primeira de Sirmium que é ortodoxa. É notável como até os centuriadores de Magdeburgo, fina flor do calvinismo, na sua vasta obra composta acinte contra a Igreja Católica, tenham vindicado o caluniado Papa da imputação malévola: "constantem certe in professione fidei Nicoenae mansisse exemplum Macedoniorum... indicat".32 O Sr. C. PEREIRA bem poderia receber lições de crítica histórica destes seus antepassados de quase quatro séculos. - Outra bala perdida.

- "O Papa Honório em 625 aderiu à heresia chamada monotelismo", p. 372. Se o teólogo brasileiro estudou a controvérsia contra os monotelitas, não sei. É certo, porém, que não leu os documentos de HONÓRIO. Senão teria visto: 1.º que as suas epístolas a SÉRGIO são perfeitamente ortodoxas e não há como delas extrair o monotelismo; 2.º que estas epístolas não são dogmáticas, não encerram definição alguma. Di-lo expressamente o Pontífice: "non nos oportet vel duas operationes definientes praedicare".33 O Papa a declarar que não entende definir, o Sr. C. PEREIRA a obstinar-se em querer ver definições em todos os atos pontifícios. - Mais outro erro de pontaria.

- "O Papa Clemente XIV aboliu a ordem dos jesuítas aprovada por Paulo III; Pio VII RESTAUROU-A", P. 372. - E isto é definição dogmática? Onde enxergou o arguto crítico da infalibilidade que o breve clementino impunhja, como verdade revelada, a supressão da Companhia de Jesus: Toda a gente sabe que se trata apenas de medida disciplinar. Diante da pressão violenta das cortesbourbônicas, CLEMENTE XIV julgou oportuno, para pacificação dos
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32. Centurae Ecclesiasticae historiAe, cfr. Basileae, 1562. Cent. IV, c. X. P. 1354. Sobre a origem desta lenda cfr. DÖLLINGER, Die Papst-Fabela des MitteLalters(2). München, 1863, pp. 48-52.

33. Ver as Epístolas de Honório, em ML, LXXX, 471, 475.




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ânimos, suprimir a Companhia de Jesus. Cessada a borrasca, Pio VII houve por bem restaurá-la. Que tem que ver tudo isto com a fé e a infalibilidade? O protestante que, quatro páginas atrás, multiplicava pontos de interrogação para provar "que não se sabe com segurança onde começa e onde termina a infalibilidade catedrática do Papa", p. 368, trincha agora com um desembaraço de pasmar e, com certeza inerrável, vê infalibilidade por toda a parte. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. - Ainda uma vez esbanjamento inútil de munição. A cidadela católica nem sequer é atingida por estas descargas inofensivas de pólvora seca.

Mas paremos aqui. Já se vai vendo que não é tão fácil como assim provar os "erros evidentes de muitíssimos papas". Todos os fatos alegados ou são historicamente falsos ou caem à margem da questão. É mister refazer todo este capítulo. É mister pôr-se pacientemente a manusear de novo a história da Igreja a ver se é possível desencantar algum "erro evidente", não esquecendo, porém, que se trata de provar que um Papa definiu uma doutrina e que outro Papa definiu a contraditória. Antes de levar a efeito esta preciosa descoberta - autêntica, provada e documentada - é de bom conselho não exibir velharias de JANUS que nem sequer atingem o âmago do debate. Qualquer católico medianamente instruído devolve estas sediças objeções, notando-as à margem com o ferrete do velho sofisma, que ARISTÓTELES chamou ignoratio elenchi: ignorância do estado da questão.

- A simples explanação do dogma católico da infalibilidade é suficiente, como acabamos de ver, para desmantelar quase toda a armação de dificuldades laboriosamente levantada pelo protestante brasileiro. Há, porém, outra ordem de objeções que está a exigir-nos peculiar resposta. O dogma definido no Concíli0 Vaticano, assevera o Sr. C. PEREIRA, é uma novidade desconhecida na antiga Igreja. "A infalibilidade do Papa... é coisa completamente ignorada dos antigos padres, credos e concílios e a Igreja grega a rejeita como blasfema", p. 344. "Nenhum católico, até 1870, sabia ao certo onde residia a suprema autoridade, a plenitudo potestatis. Andavam tateando nas tevas em busca de um ponto de apoio", p. 344.

Quem escreveu estas linhas nunca passou os olhos por um curso de História eclesiástica. Assinale-no o Sr. C. PEREIRA, uma época na vida da Igreja em que as decisões dogmáticas da Santa Sé não fosse lei suprema e irreformável para os fiéis - O que não fêz o crítico pastor façamo-lo nós: compulsemos os anais do passado.



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Tão numerosos e irrecusáveis são os testemunhos da antiguidade cristã em favor da infalibilidade pontifícia que enchêramos um volume se os quiséramos recolher e citar todos. Cingir-nos-emos aos mais relevantes, onde, evidente como a luz meridiana, se manifesta o universal sentir da Igreja.

Já conhecemos o célebre texto de S. IRINEU, que, refutando os hereges de seu tempo, afirma decladamente: "Com a Igreja romana, por sua primazia, devem concordar todas as igrejas, isto é, os fiéis de todo o mundo, porque nela se conserva intacta a tradição apostólica"34 O santo mártir não enuncia simplesmente um fato, formula um direito, necesse est, cumpre, importa, é necessário que todas as igrejas concordem com a romana. Não se poderia asserir menos inquivocamente a infalibilidade da Sé Apostólica.
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34. IREN., Adv. Haeres., III, 3, 2. (MG, VII, 849).

35."Nec cogitare eos esse romanos... ad quos perfidia habere no possit - accesum". Epist.69, 19 (Hartel, 683).

36. Epis. 15 ad Damasum (ML, 33II, 355-6).




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Se Roma pode desgarrar da ortodoxia, pode errar na fé, como explicar o dever de todas as igrejas de concordarem com ela? - Para S. CIPRIANO "o erro na fé não pode contaminar os romanos".35 S. JERÔNIMO escreve ao Papa S. DÂMASO: "Julguei meu dever consultar a cátedra de Pedro... Vós só conservais incorrupta a herança de nossos pais... Decidi e não hesitarei em afirmar três hipóstases". 36

Magnífico é o testemunho de S. AGOSTINHO. Havia anos que as doutrinas de Pelágio semeavam a discórdia na Igreja. Em 416 os dois concílios de Milévio e Cartago dirigiram-se ao Papa, a fim de que anatematizasse o heresiarca. Às epístolas sinodais, cinco bispos, e entre eles, S. AGOSTINHO, ajuntaram uma carta de caráter privado. Ao responder congratula-se INOCÊNCIO com os pastores pelo zelo de conservar a pureza da fé e pela diligência em levar ao conhecimento de Roma um negócio, cuja decisão segundo o antigo costume dependia da Sé Apostólica. O documento pontifício emprega os termos referre, relatio que são do estilo oficial e, segundo os usos vigentes na chancelaria do império, indicam o relatório feito à autoridade competente.

Ao teor das expressões do Papa cônscio de sua missão corresponde a atitude de Agostinho. Apenas recebida a resposta, o bispo de Hipona anuncia aos seus fiéis a sentença final nestes termos: "Sobre esta causa foram enviados dois concílios à Sé Apostólica. Chegou-nos a resposta; está terminada a causa. Oxalá acabe também o erro. causa finita etc: utinam aliquando finiatur et error".37 Mais tarde voltando ao mesmo assunto insiste na infalibilidade da decisão pontifícia: "já não é possível duvidar neste ponto: de hac re litteris beatae memoriae papae Innocentii dubitatio tota sublata est".38 É claro? A sentença de Roma decide em última instância as causas sobre a fé. Roma falou, cessam todas as dúvidas. E "nenhum católico, até 1870, sabia ao certo onde residia a suprema autoridade"!

Em meados do século V escreve S. LEÃO ao Concílio geral de Calcedônia: "não se trata de discutir, mas de crer; a minha epístola a FLAVIANO, de feliz memória, já decidiu clara e completamente tudo o que é de fé acerca do mistério da Encanação".39 E os 600 bispos, quase todos orientais, presentes ao Concílio, a prorromperem numa aclamação unânime: "Assim o cremos, os ortodoxos assim o cremos; anátema a quem não o crê, PEDRO falou pelos lábios de LEÃO, PEDRO vive sempre na sua sede".40 E "a infalibilidade é coisa completamente ignorada... dos concílios"!

Antes de LEÃO, INOCÊNCIO I envia os seus legados ao Concílio geral de Éfeso que devia condenar NESTÓRIO, dá-lhes suas instruções e termina: "Se as opiniões estiverem divididas lembrai-vos que lá estais não para discutir, mas para julgar". 40a E o Concílio obedece sem hesitar às decisões do Papa. "Obrigados em força da epístola de nosso S. Padre CELESTINO... pronunciamos a lúgubre sentença contra NESTÓRIO".41
S. AGATÃO ao 6º Concílio ecumênico (3.º de Constantinopla): "Nunca a Igreja apostólica de Roma se afastou da verdade; toda a Igreja católica, todos os concílios ecumênicos abraçaram sempre a sua doutrina como a do Príncipe dos Apóstolos".42 E o Concílio de Constantinopla responde ao Papa que acolheu a sua epístola como documento divinamente escrito por S. Pedro.43 E os antigos concílios ignoravam completamente a infalibilidade!

Outra afirmação coletiva de grande peso temos na fórmula de HORMIDAS (514-523). Depois do cisma de ACÁCIO, este Papa
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37. Serm. 131, 10 (ML, XXXVIII, 734).

38. Contra 2 epist. Pelagianorum, 1, 2, c. 3, n. 5 (ML, XLIV, 574).

39. Epist. 93, 2 (ML, LIV, 937-9).

40. HARDOUIN, II, 306.

40a. Epist. 17 (ML., L, 503).

41. HARDOUIN, I, 1478.

42. HARDOUIN, III, 1079.

43. HARDOUIN, III, 1438.




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impôs bispos a subscrição de uma fórmula de fé, como penhor de sua ortodoxia. Neste documento, entre outras verdades, se afirma que em virtude da promessa do Salvador: "Tu es Petrus, etc., na Sede Apostólica sempre se conserva imaculada a fé católica: quem a segue em tudo é ortodoxo, quem dela se aparta fica, ipso facto, separado da comunhão da Igreja universal".44 Esta fórmula considerada como arras de ortodoxia foi assinada por 2.500 bispos do Oriente, pelo imperador JUSTINIANO, pelos patriarcas de Constantinopla, EPIFÂNIO, JOÃO e MENA e finalmente por todos os padres gregos e latinos reunidos no 8.º Concílio ecumênico (4.º de Constatinopla).45 Que plebiscito grandioso em favor da infalibilidade do Papa! E "nenhum católico, até 1870, sabia ao certo onde residia a suprema autoridade!".

Mas, cumpre limitarmo-nos. Citemos ainda a definição dogmática do Concílio ecumênico de Lião (1274): "A Santa Igreja Romana possui pleno e soberano primado sobre toda a Igreja Católica. E como essa Igreja, sobre todas as outras, é obrigada a defender a verdade da fé, assim, quando sobre a fé se levantam quaisquer questões, é por sua sentença que se devem definir".46 Gregos e latinos subscreveram esta fórmula de fé.

Como porta-voz de toda a Escola, ouça-se S. TOMÁS d'AQUINO: "A autoridade do Sumo Pontífice pertence determinar em última instância (finaliter determinare) as coisas da fé, a fim de que sejam por todos cridas com fé inalterável".46a

Julgue agora a leitor com que sinceridade e consciência são escritas estas linhas: "não encontramos no silêncio dos séculos primitivos da Igreja e nas tradições dos séculos posteriores vestígio ao menos que coonestasse perante a consciência cristã as inauditas pretenções do bispo de Roma, sequer ao primado, muito menos à infalibilidade", p. 376.
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44. Ver todo este documento em DENZINGER, Enchidion symbolorum, etc, n. 171-2.

45. De quanto aí fica exposto se colige a resposta à afimração do Sr. C. PEREIRA: "A Igreja Grega rejeita-a [a infalibilidade do Papa] como blasfema". Calou o prudente polemista que esta Igreja grega é a igreja cismática de FÓCIO e de MIGUEL CERULÁRIO, separada da Igreja católica depois de 9 ou 10 séculos e desde então amortalhada no imobilidade dos corpos sem vida. Os concílio de Éfeso, Calcedônia e Constantinpla, a subscrição universal da fórmula de Hormidas patenteia a fé ortodoxa do Oriente nos áureos tempos de sua juventude cristã. Que uma igreja cismática qualquer, grega ou protestante, rejeite depois de sua separação a infalibilidade do Papa contra o qual se revoltou, não pode valer como testemunho da verdade: é uma consequência fatal do crime de apostasia, é uma negação psicologicamente necessária.

46. MANSI, XXIV, 70.

46a. Summ. Theolog., 2-2AER, Q. 1, A 10.



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Concílio Vaticano.47 O Concílio Vaticano, portanto outra coisa não fez senão definir um dogma que foi sempre crido e confessado na Igreja católica. Quem pretendesse arguir da novidade da definição à novidade da crença, confundiria duas coisas distintas: uma verdade de fé e a sua definição. Definir uma verdade não é criá-lo, é reconhecê-la, sancioná-la, determiná-la, apresentá-la, como em um moldura, clara e circunscrita, às almas dos fiéis.

Mas então por que não foi definida antes a infalibilidade do Papa? Porque não era necessário, porque não era contestada. Os dogmas definem-se quando são negados ou postos em dúvida. Só então intervém a Igreja e com a sua decisão tranquiliza as consciências perturbadas. A divindade do Verbo, consubstancial ao Padre, só foi definida pelo concílio de Nicéia, no século IV quando o arianismo a pôs em discussão. Direis que a Igreja primitiva não acreditava na divindade de Cristo? O panteísmo, como heresia, só foi condenado no Concílio Vaticano. Cuidareis que até ao século XIX o cristianismo não acreditava num Deus pessoal e distinto do mundo?

O mesmo sucedeu com a infalibilidade do Papa. Nos primeiros séculos da Igreja não há vestígio de dúvida acerca desta verdade. Só nos séculos XIV e XV, depois do grande cisma do Ocidente, um ou outro autor, lígio às ambições de reis e príncipes, começou a impugnar a plentitude da autoridade do Soberano Pontífice. LUTERO, queimando a Bula de LEÃO X que o condenava, foi o primeiro a negar com os fatos a infalibilidade, que pouco antes confessara com os lábios.48 O galicanismo e jansenismo ressentiram-se de influênica protestante. No entretanto, a Igreja Católica não cessa de opor às negações da heterodoxia a afirmação da verdade antiga; estuda os documentos revelados e quando a questão se acha suficientemente elucidada em todos os seus aspectos para cortar ensejo a futuras dúvidas define o dogma impugnado.
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7.Bibliografia: Acta et decreta Concilii Vaticani, Colletio Lacensis t.VII, Freiburg t, ?B. 1890.FESSLER, Das Vatikanische Concilium, Wien 1871. MANNING, The trite Story of the Vitican Councit, London 1877; MANNING, The trinte Story of the Vatican Council, London 1877; ID., The Vatican decrees in their bearing on civil Allegiance, London 1875, (contra a obra de GLAUDSTONE do mesmo título. HERGENRCETHER, Anti-Janus,Eine historich-theologische Kritik der der Schrift der Schrift "der Papst. und das Council" Freiburg I.B. 1872 c, 72 E. CECONI: Storia del Concilio ecumenica Vaticano scrita sui documenti originali, Roma 1873; (Eligível) Geschichte des Fati(ilegível) Konzils nach denautischen,3 vls.Frburg i. H. 1903-1906. E. CAMPANA, Il Concillio Vaticano, Vol;I. Zugano-Bellinzons, 1926; CUTHBERT BUTLES, The vatican Coincil, 2 vols. London, 1930.

48. DE WETTE, I. 122.



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Naturalmente nos arraiais protestantes o Concílio Vaticano havia de levantar grande celeuma. Para o escritor brasileiro ele "assinala o pináculo da pirâmide da hierocracia papal", p. 343. Não basta. O caráter ecumênico do Concílio é contestado. Um concílio geral, diz o Sr. C. PEREIRA, deve ser "composto de bispos que representem legalmente seus rebanhos e a universalidade dos fiéis do Oriente e do Ocidente; e além disso devem eles ser livres na discussão e no voto. Ora, isto não se deu no Concílio Vaticano", p. 359.

Nesta parte de seu trabalho o mentor do gramático brasileiro é o Rev. DR. LITTLEDALE.49 Sempre o mesmo vezo de abandonar as fontes históricas, genuínas e imediatas, para abeberar-se em derivações longínquas e contaminadas. É o processo da "alta crítica moderna" protestante.

Reconstituamos a verdade histórica. O concílio não foi composto de bispos de representassem a universalidade dos fiéis. - Primeira falsidade. O número dos Padres do Concílio variou em diferentes épocas. Alguns vieram logo a princípio, retiraram-se depois por doença ou por motivos urgentes que os chamavam às próprias dioceses, outros sobrevieram mais tarde, depois de aberto o concílio. Tomemos a 3.ª sessão, realizada a 24 de abril de 1870. Nela votaram 667 Padres, dos quais 43 cardeais, 9 patriarcas, 8 primazes, 107 arcebispos, 456 bispos, 1 administrador apostólico, 20 abades e 23 superiores de ordens religiosas. Entre os patriarcas, 4 eram orientais; entre os arcebispos, 23 gregos e orientais (8 armenos, 5 caldeus, 4 maronitas, 3 sírios, 1 melquita, 1 rumeno); dos 456 bispos, pertencia à Europa 297, à América 73, à África 9, à Ásia 46, à Austrália 13; 18 eram bispos titulares. Com exceção dos dois concílios de Calcedônia e do 2.º Lateranense, cujo número de bispos presentes não é conhecido ao certo, o Concílio Vaticano
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49. Entre outros trabalhos escreveu este Dr. RICARDO FREDERICO LITTLEDALE um libelo contra a Igreja Católica intitulado Razões óbvias contra a união com a Igreja de Roma (Plain Reasons against the joining the Charch of Rome, London 1884) que se tornou um arsenal de objeções protestantes. Muitos males tem produzido este requisitório calunioso, mas, certamente contra as previsões de seu autor, foi nas mãos da Providência instrumento de algum bem. Refiro-me à conversão do Rev. W. O. SUTCLIFF.. "Bem lançadas as contas, escreve este convertido do anglicanismo, esse livro me ajudou a abraçar o catolicismo. Conhecendo o grego e o latim e tendo fácil entrada nas melhores bibliotecas foi-me possível verificar as suas asserções e o resultado foi que fiquei tomado de horror à vista das extraordinárias adulterações ou incompreensões dos textos citados. Roads to Rome, being personal records of some of the more recents converts to the catholic Faith with an introductions bu His Eminence Cardinal VAUGHAN, compiled and edited by the Author of "Ten years in Anglican orders", London, 1911, p. 266.



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superou em número de Padres a todos os concílios ecumênicos da Cristandade.50
O Sr. C. PEREIRA não podia deixar de desfigurar tudo isto. "A maior parte dos prelados foram preparados com anos de antecedência e nomeados a dedo pelos que tramavam na sombra a conspiração da infalibilidade", p. 359. - Os membros do Concílio Sr., não são nomeados, nem a dedo nem sem ele. De direito nele tomam parte dodos os bispos da cristandade. a todos, sem exceção de um só convidou Pio IX.51 Só não compareceram os que se achavam legitimamente impedidos. A infalibilidade não foi tramada na sombra. A proposta de sua definição não partiu de Pio IX nem se achava entre as apresentadas pela S. Sé aos bispos; foi alvitrada pela grande maioria dos Padres que suplicaram ao Papa quisesse incluir entre as difinições conciliares a de um doutrina que foi sempre publicamente ensinada na Igreja.

De fato, os membros do Concílio ecoavam o ensinamento católico. Ainda nos últimos tempos a infalibilidade era ensinada nas universidade de Lovaina, Praga, Coônia, Inglstadt, Würzburg, etc. Mais evidente ainda se manifesta a unidade doutrinal da Igreja católica aos numerosos sínodos provinciais que antes do concílio ecumênico de 1870 se pronunciaram sem reticências pelo magistério infalível do Papa. Lembramos apenas na Alemanha o concílio de Colônia *1860), na Hungria o de Strigônia (1858) e Colozka (1864), na França o de Reims (1857), na Boêmia o de Praga (1860), na Holanda o de Utrecht (1860), na Inglatrerra o de Westminster (1852), na Irlanda o de Thules (1850), no Canadá o de Halifax (1957) e os de Quebec (1851 e 1868), nos Estados Unidos,
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50. Para informações mais pormenorizadas Cfr. J. FESSLER (secretário do Concílio, Das Vtikanische Concilium, Wien, 1871, pp. 11-23.

51. Nas letras apostólicas em que Pio IX anunciava a próxima convocação do Concílio lêem-se estas formais palavras: "por isso queremos e ordenamos que de toda parte tomem parte neste concílio ecumênico todos assim como os veneráveis irmãos Patriarcas , arcebispos, bispos, como os nossos diletos filhos, os abades e todos os demais a quem por direito ou privilégio foi concedido tomar assento nos concílios gerais e neles manifestar o seu parecer". Acta et Decreta Concilii Vatic. Coll. Lac. 6. VII, P. 4-5. A isto chama o Sr. C. Pereira nomear a dedo! - Nem se limitou o convite do augusto Pontífice a todos os prelados do orbe católico. Numa epístola endereçada aos bispos cismáticos do Oriente assim fala Pio IX: "De novo a Vós nos dirigimos, e com a maior insistência vos rogamos, admoestamos e suplicamos, queirais intervir a este Sínodo geral como os vossos maiores intervieram ao 2.º Concílio de Lião, etc. Acta etc Decr., p. 8. Os próprios protestantes e todos os demais acatólicos não foram excluídos da solicitude do Pastor comum. Act. et Decr., pp. 8-10. Lamentamos não poder trasladar aqui todo este documento que exala um ternura, um amor de pai aflito pelo desvario de filhos estremecidos. Estou que ao ler as expressões carinhosas do grande Papa se comoveria até o Sr. C. PEREIRA, que não perde ensejo de bolsar indignas injúrias e cuspir imerecidos baldões sobre a memória do Venerando Pontífice.



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os de S. Luís (1885 e 1858) de Nova Orléans (1856 e 1860), de Baltimore (1852, 1855, 1858, 1866), no Equador o de Quito (1869), na Austrália o de 1865.52 A verdade católica era ensinada na Europa como na América e na Oceania com um publicidade e consonância admiráveis. LITTLEDALE provavelmente calou tudo isto. E com LETTLEDALE, C. PEREIRA. E era necessário esse silêncio para deixar todo o seu efeito à frase: assim se tramava na sombra a conjuração da infalibilidade.

- "O concílio foi organizado como uma sociedade secreta", página 359. - Não foi tal. Toda a gente soube e sabe o que nele se passou sem excluir o Sr. C. PEREIRA. É só de lamentar que não tivesse consultado diretamente as Atas do Concílio, mas fosse beber informações em libelistas apaixonados como FRIEDRICH e LITTLEDALE.

- "Representando os bispos aos leigos, o valor de seus votos deve estar em relação ao número destes. Ora a oposição incluía os bispos das mais populosas dioceses", p. 360.55

Que portentosa descoberta! Onde aprendeu o Sr. C. PEREIRA que os bispos são deputados dos leigos em matéria de fé? Pobres protestantes! Separados da pedra que dá firmeza à Igreja volteiam como ventoinhas a todo o sopro da opinião pública dominante. Hoje prevalece a democracia nos governos civis? Seja democrático à sua imagem e semelhança também o governo eclesiástico. - Nâo é assim. Nas modernas democracias a autoridade vem de baixo; na constituição dada por Cristo à sua Igreja desce
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52. Cfr atos deste concílios na Colletio Lacensis.

53. Entre os membros da oposição enumera o Sr. C. PEREIRA os arcebispos de Paris, Brelau, Colônia e Viena (p. 360). Não é exato ou, pelo menos não é completo. Estes bispos opuseram-se não ao dogma em si mas à oportunidade da sua definição. Parecia-lhes que a decisão dogmática do Concílio suscitaria novas dificuldades à Igreja da parte dos governos civis e empeceria a conversão dos incrédulos. O Tempo mostrou que eram infundados estes temores. Ver os postulados destes bispos nas Acta et Decreta Conc. Vat., p. 944 sq. O postulado subscrito pelos arcebispos de Praga, Viena, Colônia e outros professa abertamente a infalibilidade: "insuper eruditi piique viri vere docent quae S. Petri sucessor de fide moribusque ex cathedra loquens constituat etiam absque Ecclesiarum consensu quomodocumque demonstrato irrefragabilia esse", Op. cit., p. 944. O Arcebispo de Paris, DARBOY, escrevia em 1871: "C'est sourtout la question de l'opportunité qui nous tenait au Coeur." Quase na mesma dasta DUPANLOUP: "Je n'ai écrit et parlé que contre l'opportunité de la définition; quant à la doctrine, já l'ai toujours professée non seulement dans mon coeur mais dans des écrits publiés". Op. cit., pp. 997-999. - O mesmo se diga dos partriarcas de Antioquia e Babilônia e dos arcebispos de Tiro, Sindônia, Beirute e Alepo, que o Sr. C. PEREIRA põe, sem mais explicações, entre os membros da oposição, pretendendo que a atitude destes pastores anulou os votos do Oriente na maioria. Não lhe lembrou informar aos seus leitores que mais de 20 bispos orientais e, entre eles os patriarcas de Constantinopla, de Alexandria e os arcebispos de Cesaréia, Ancira, Erzerum e Trebizonda, subscreveram o pedido de definição do dogma.




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do alto. Aos apóstolos disse Cristo: Docete; a seus fiéis impôs o dever de os ouvir: Qui vos audit, me audit. E foi o que sempre se viu na Igreja. Mostre-nos o Sr. PEREIRA um só concílio em que o valor do voto de um bispo fosse proporcionado ao número dos seus diocesanos. Se assim fora, se as grandes metrópoles de luxo, da corrpupção e da incredulidade dessem maior peso ao voto dos seus pastores, nos antigos sínodos os bispos heréticos de Constantinopla (que os ouve muito) teriam arrastado a concha da balança. Não; os antigos bispos tinham todos igual direito de voto e as suas decisões conciliares atribuiam-nas não aos milhares ou milhões de leigos que pastoreavam mas à assistência do Espírito Santo.

Segunda asserção e segunda falsidade: no concílio Vaticano não ouve liberdade de discussão. - A proposta da infalibilidade foi discutida de dois modos: em geral, na Constituição dogmática "De ecclesia" de que fazia parte, e em particular separadamente dos outros capítulos da mesma constituição. O primeiro debate prolongou-se por 14 congregações, e nele falaram, além do relator, 64 oradores; só foi encerrado por votação da maioria. A discussão particular sobre o cap. 4 (da infalibilidade) durou 11 dias inteiros, durante os quais usaram da palavra 57 Padres. Só quando todos os oradores inscritos terminaram as suas considerações e nenhum outro pediu a palavra, se pôs termo ao debate. Que assembléia permite maior liberdade de discussão?

Quanto ao voto. Na votação solene de 18 de julho, sob a presidência pessoal do Papa, de 535 Padres presentes, 533 aprovaram a definição e 2 a rejeitaram (um italiano e um americano). Se dois votaram pela negativa, foram livres. Com igual, ou antes, com maior facilidade, 20 ou 200 teriam votado no mesmo sentido sem que ninguém lhes tolhesse a liberdade. - Mas, dirá o protestante, alguns bispos da minoria retiraram-se de Roma antes da sessão solene.54 - Retiraram-se livremente; vendo que a definição seria
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54. "Imediatamente após esta votação preliminar, quase todos os bispos da minoria deixaram abruptamente Roma, depois de terem lavrado um protesto contra os processos do Concílio. Determinou a fuga o receio de sua segurança pessoal", p. 362. A que leitor persuadirá o Sr. CARLOS PEREIRA que Pio IX ameaçasse os bispos da minoria?! E levantam-se aleives desta gravidade sem um documento! - Quanto ao protesto, o gramático brasileiro prestaria relevante serviço à crítica se o trouxesse à luz da publicidade. É coisa até hoje desconhecida. Na carta mui respeitosa com que os bispos da minoria se despediram do Papa, o único motivo da partida que alegam é a piedade e reverência filial: "Pietas enim fidelis et reverentia... non patiuntur nos in causa personam Sanctitatis vestrae adeo proxime concernente palam et in faacie Patries dicere: Non placet". Acta et Decr., p. 994. A pena venenosa do apologista da Reforma perverte esta delicadeza em protesto, esta ausência justificada dos bispos, em fuga, por temor de "sua segurança pessoal".



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aprovada pela maioria não quiseram, por conveniências que todos compreendem, dar uma negativa inútil. Apenas, porém, foi definida a infalibilidade, todos os bispos, sem exceção de um só, prestaram, reverentes, a homenagem de sua fé e o obséquio de sua submissão ao dogma definido.55 Em todo o orbe católico não houvea apostasia de uma só consciência episcopal!

Mais. Contra a acusação de falta de liberdade protestaram altamente os próprios Padres que intervieram na grande assembléia. Durante o Concílio KEANE, bispo irlandês, depois do Concílio, MAC HOLE, também irlandês, que se opuseram à definição, e os bispos alemães, entre os quais havia muitos da minoria, reunidos solenemente em Fulda56 repeliram publicamente com indignação a calúnia de que se lhes houvesse peado a liberdade de discussão ou de voto. Nada, porém escapa às vistas de lince dos críticos protestantes; no mais recôndito latíbulo das consciências dos bispos presentes aos debates em Roma, vêem mais eles, que os próprios prelados. Estes a declararem que foram livres, os censores protestantes, que ao concílio não assistiram, a porfiarem que o não foram!

Tenta por último o Sr. C. PEREIRA negar à odiada definição o caráter conciliar. Não foi o concílio, foi só o Papa quem definiu a própria infalibilidade: "O Papa é infalível porque ele o diz e ele o diz porque é infalível", 366. E o argunto crítico triunfa com este círculo vicioso que "para estupor da humanidade pensante é o alicerce em que se firma o dogma estupendo da infalibilidade papa", p. 366. - Não creio que a humanidade pensante se deixe tomar tão facilmente de semelhantes estupores. A definição é tão manifestamente conciliar que ninguém, esceto o Sr. c. PEREIRA, duvidou jamais desta evidência. Nenhum teólodo ou canonista católico hesitou um só instante em reconhecer à definição vaticana o seu verdadeiro e genuíno caráter, e parece-me que os católicos devem conhecer algo do direito canônico que rege a Igreja. - Não, embarga mais competente o gramático brasileiro, no Concílio Vaticano a definição rompe com estas palavras: Nos sacro appobante Concílio,
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55. Cerca de duzentos bispos que, ou se achavam ausentes da sessão de 18 de julho, ou durante as sessões preliminares haviam dado o non placet ou o placet juxcta modum timbraram em significar imediatamente a sua plena adesão ao dogma recém-definido. Salientamos as adesões dos arcebispos de Paris e de Colônia, dos patriarcas de Antioquia e Babilônia, dos arcebispos de Beyrute, Tiro e Sidônia. Cfr. Act. et Decr., pp. 995-1004.

56. "Solange die Berathugen dauerten, haben die Bishoefe, wie es ihra Ueberzeugung ferderte und es ihrer Amspfliche entsprach, ihre Ansichten mit unulmwundener offenheit unt mil det nothwendigen freithait suspesprochen". Carta pastoral dos bispos alemães reunidos em Fulda, em setembro de 1870. Acts et Decrets, p. 1734.




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docemus, definimus, etc.: no Concílio de Trento, outra foi a fórmula: Oecumentica et generalis Tridentina Synodus in Spiritu Santcto legitime congregata, praesidentibus in ea iides Apostolicae sedis legatis... haec statui, fatetur, etc., p. 364-5.

Cavilações e tricas de causídica à míngua de razões. Que o Papa com a aprovação do Concílio, que o Concílio sob a presidência do Papa defina uma verdade, igualmente conciliar em ambos os casos é a definição. Os termos são diversos, a realidade é a mesma. A primeira fórmula é usada nos concílios presididos pessoalmente pelo Papa,57 a segunda nos outros, presididos por legados pontifícios. Não há, pois, porque sofisticar sobre as palavras.






Concluamos. A definição do dogma da infalibilidasde pontifícia não é senão o remate glorioso posto, no século XIX, pela mais augusta e imponente assembléia da cristandade à grandiosa tradição católica que por quase dois mil anos ecoou na história os divinos ensinamentos do Evangelho. Sim, é no Evangelho, na palavra inspirada do Espírito Santo, nos livros sagrados, veículos do ensinamento autêntico do Mestre, que o dogma católico prende a profundidade e solidez de suas raízes divinas. Implícita e explicitamente, mas sempre com insofismável clareza, ensinam-nos os escritos inspirados a infalibilidade do Supremo Pastor da Igreja.Saibamos ler estas páginas admiráveis.

Pedro, tu és a rocha sobre a qual edificarei a minha Igreja, contra a qual não hão de prevalecer os assaltos do inferno. Pedro é o fundamento indefectível da Igreja imortal. É possível que os alicerces postos pelo divino Arquiteto na base do grandioso edifício das almas venha a aluir sob o picão demolidor dos alvenéis do erro? No dia em que o Papa impusesse a toda a cristandade uma

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7. Assim no IV Concílio de Latrão (1215): Nos autem, sacro appobante Concílio, credimus, etc., MANST, XXII, 990, 994. Assim no 2.º Concílio de Lião (1274): Nos, sacro appobante Concilio...damnamus. MANST. XXIV, 81. D. Assim no Concílio de Viena (1311-12): Nos... sacro appobante Concilio duximus eligendum. MANST, XXV, 411 D. Afirmar, pois, que "o Concílio Vaticano corrige o erro do de Trento", p. 365, é apenas dar mostra de que da história da Igreja só se conhecem os aleives levantados pela ignorância e má fé dos libelistas de profissão. A maravilha do gramático revela apenas a sua inexperiência nestes estudos em que é, de todo em todo, profano.




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doutrina falsa, vacilaria a Igreja e as potências do mal haveriam prevalecido contra as promessas de Cristo.


A Pedro foram dadas as chaves do reino dos céus. E o divino clavígero arrastaria as almas às portas do inferno?


A Pedro foi concedido o privilégio de ver ligado e deligado nos céus quanto ele houvesse ligado e desligado na terra. E os céus confirmaram o erro, a mentira, a falsidade?

A Pedro, o ofício de pastorear os cordeiros e ovelhas de Cristo. E o supremo pastor, em vez do pábulo de vida, daria às almas, sôfregas de verdade e de amor , o alimento envenenado e corrupto da morte?

Nâo. Propor estas hipóteses é exclui-las. Tão novas, tão desusadas, tão sublimes palavras, Cristo não as podia dirigir a um homem sem emancipá-lo da possibilidade do erro. Não podia impor aos fiéis o dever de obediência a um Pastor, a um Mestre, a um soberano sem lhe conferir ao mesmo tempo o privilégio de sua assistência infalível. Imaginai, por um instante, que o Papa ensinasse um dia um erro a toda a cristandade. Que faria a Igreja? Submeter-se: O erro a destruiria. Revoltar-se? Seria o suicídio,calcaria aos pés o preceito divino de Cristo que lhe prescreveu obediência fiel à autoridade por ele constituída.

Quereis ainda mais explícita a promessa da infalibilidade? Abri o Evangelho de S. Lucas: "Simão, Simão, Satanás vos pediu com instância para vos joeirar como trigo; mas eu roguei por ti para que não desfaleça a tua fé, e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos".58 Cristo orou, e na sua oração divinamente eficaz firma-se
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58. Referindo-se a esta passagem de S. Lucas, diz o Sr. C. PEREIRA, à pág. 212, que é apenas subsidiária para a demonstração do primado de S. Pedro: "Cristo anuncia apenas a queda de S. Pedro, promete orar por ele para que não lhe falte DE TODO a sua fé". O "DE TODO" veio relevado em versalete. Só é pena que não se acha no texto. O gramático inventou-o de raiz e para fazer mossa no ânimo dos leitores pôs a sua invenção em versal. Privilégios da exegese do livre exame. - Mais. Cristo anuncia apenas a queda de S. Pedro? Não; faz muito mais, ora por ele para que a sua fé não desfaleça, impõe-lhe o dever de confirmar os seus irmãos. Por que mutilar o texto? - Já não queremos insistir no terceiro falso testemunho levantado aqui a Belarmino: "À própria imaginação vivíssima do Cardeal Belarmino não teria ocorrido arvorar em título de nomeação do Papado uma simples recomendação feita a Pedro, em Lucas, de confortar os seus irmãos", p. 212. O leitor já deve estar familiarizado com o inefável privilégio do gramático brasileiro. - Se o Sr. C. PEREIRA, em vez de manusear SHAAF, JANUS OU LITTLEDALE versasse com mão diurna e noturna as fontes geuínas do ensinamento cristão, saberia que não só "a imaginação vivíssima" do CARD. BELARMINO (De Rom. Pontif. I. E, C. 3) senão também CIRILO ALEXANDRINO, LEÃO MAGNO, GELÁSIO, AGATÃO, TEODORO STUDITA, TEOFILACTO, GREGÓRIO VII, ANSELMO, TOMÁS D'AQUINO, BOAVENTURA, SCORO, TOMÁS DE VILANOVA, SUAREZ - por não lembrar senão os que me ocorreu à memória, - viram no texto de S. Lucas a promessa de infalibilidade feita por Cristo a S. Pedro e a todos os seus sucessores.



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a infalibilidade de Pedro: Oravi por te ut fides tua non deficiat. Tua fé será sempre pura, verdadeira, luminosa. Poderia orar também por teus irmãos, para todos poderia pedir esta firmeza inconcussa, mas não é mister, orei por ti e a ti imponho o dever de confirmar e iluminar os teus irmãos, confirma frates tuos; firmar a base é firmar o edifício inteiro.

Enquanto for eficaz a oração de Cristo, Pedro confirmará infalivelmente os seus irmãos. Enquanto durar a Igreja de Cristo, será firmada na rocha indestrutível contra a qual não prevalecerá o poder das trevas.59

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59.Bibliografia relativa ao livro 1. Obras técnicas: BOUIX, Tractatus de Papa, 3 vols., Paris-Lyon, 1869, 1870; M. D'NERBIGNY, Theologica de Ecclesia(2), 2 vols., Parissis, Beauchesque, 1920-21; C. GUTBERLET, Lehrbuch der Apologetik, III 2), Muenster, 1899; PATR.MOURRAT, Tractatus de Eclesia Christi, 3 vols., Dublinii, 1860-1866; OTTIGER, Theologia fundamentalis, t. 11, Freiburg. 1. B., 1911; PALMIERI, De Romano Pontifice (3), Prati, 1902; ROSKOVANI, Romanus Pontifex tamquam primus Ecclesiae et princeps civilis et monumentis [ilegível] demonstratus, 20 vols.,Nitriae et Comaromil, 1867-1890; SCHANZ, Apologie der Christen(?) III (3) Freiburg 1. B.; 1896m STRAUB, De Ecclesia Christi, 2 vols., Oeniponte, 1912; WILMERS, De Ecclesia tractatus historico-dogmatici, 2 vols., Freib. 1.B. Herder, 1925; BAINVEL, De Ecclsia Christi, Paris, Beauchesne, 1925; R. M. SHCULTES, De Ecclsia catholica, Paris, Lethielleux, 1926. Obras de vulgarização científica para pessoas cultas: BATTIFOL, L'Eglise naissante et le catholicisme, Paris, 1909; La Paix constantienne et le catholicisme (2), Paris, 1914; Le Catholicisme de Saint Augustin(3), Paris, 1920; Le sièwge apostolique(2), Paris, 1924; G. BONOMELLI, La Chiesa(2), Milano, 1910; BOUGAUD, Le Christinesme et les temps présents, T. IV(7), Partis,1907; L. DUCHESNE, Eglises separées(2), Paris, 1905, c. IV. po. 113l-163; DE MAISTRE, Du Pape, Paris, 1819; H. PERREYVE, Entretiens sur l'Eglise catholique(4), 2 vols., Paris, 1901; L. PRUNEL, L' Eglise(4), Paris, Beauchesne, 1919; W. SOLOVIEW, La Russie et l'Eglise universelle(2), Parisa, 1889, I. II; A. 45 POULPIQUET, l1Eglise catholique(2), Paris, Ed. de la Revue de Jeunes, s. d. (1923).BIBLIOGRAFIA RELATIVA AO LIVRO I DE 'A IGREJA, A REFORMA E A CIVILIZAÇÃO':



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